FRANCESCA ANGIOLILLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No início da década de 2000, a cidade de Medellín, na Colômbia, trocou a fama de capital mundial do tráfico de cocaína pela de case de sucesso urbanístico.
As taxas de homicídios vinham numa escalada desde os anos 1980. Em 1991, chegaram ao pico de 381 por 100 mil habitantes -a Organização Mundial da Saúde considera violência epidêmica um índice acima de 10 homicídios a cada 100 mil habitantes.
Por trás das mudanças, esteve o conjunto de medidas conhecido sob o nome de urbanismo social, implantado a partir da gestão do prefeito Sergio Fajardo (2004-08).
Então um matemático sem vinculação partidária, Fajardo estabeleceu a meta de dar “o melhor para os mais pobres”.
Fisicamente, o conceito de melhor se traduziu em imagens muito conhecidas, como os teleféricos cruzando o vale no qual a cidade se desenvolveu, unindo suas franjas a zonas centrais.

Foto: Reprodução.

Mas não são só as obras que explicam a queda dos índices de homicídios (em 2017, foram 22 por 100 mil habitantes).
Houve “todo um pacote de acompanhamento social e mobilização para uma perspectiva de mudança”, diz Alonso Salazar, que trabalhou na gestão Fajardo e o sucedeu na prefeitura, de 2008 a 2011.
Jornalista e autor de livros sobre violência e tráfico (entre eles a biografia de Pablo Escobar que inspirou a série “Narcos”), Salazar criou o Movimiento Compromiso Ciudadano com Fajardo.
Nesta quarta (13), ele participa de evento em São Paulo promovido pelo ArqFuturo, Escola da Cidade e Insper, em cuja sede fará uma palestra na qual apresentará o que chama de “modelo Medellín”.
“Tomo muito cuidado de não dizer o que se deve ou não aplicar em outras cidades latino-americanas”, frisa. Entre os elementos “infelizmente comuns” que ele aponta, estão o crime organizado e narcotráfico e a alta participação dos jovens nas taxas de homicídios.
Mas, se não é possível achar uma fórmula de sucesso, há aspectos que são cruciais.
“Educação e cultura foram os eixos principais de transformação em Medellín”, diz, e cita as obras de 14 parques-bibliotecas, edifícios fomentadores de cultura construídos com apuro estético nas zonas mais violentas da cidade, e os mais de 130 colégios melhorados ou construídos durante as gestões do Compromiso Ciudadano.
Salazar, contudo, sublinha dois elementos fundamentais, embora menos visíveis, dos quais depende o modelo.
O primeiro é a participação cidadã -qualquer projeto começava por inquirir à comunidade local sobre seus desejos. Os moradores participaram da construção e da vigilância da qualidade das obras de estruturas públicas de educação, esporte, saúde e lazer.
O procedimento, explica, garante uma espécie de “acupuntura urbana”: ações pontuais cujo efeito benéfico se expande. “Quando se fazem intervenções, modificando com qualidade um setor, os entornos tendem a transformar-se pela própria vontade das pessoas, que melhora suas casas, suas ruas, seus táxis.”
Engajamento e protagonismo são necessários ainda para garantir o outro aspecto-chave, a continuidade.
O prefeito de saída -a Colômbia realizou eleições municipais neste mês-, Federico Gutiérrez, tinha uma linha diferente. “Suas apostas maiores estavam numa noção mais convencional de segurança, como a ação policial, e ele não se comprometeu com o avanço das medidas que foram propostas nos 12 anos antes que ele assumisse.”
No entanto, conta Salazar, os cidadãos impediram que ele abandonasse programas que dão certo, como o Buen Comienzo, de atenção social a crianças de até cinco anos.
No Brasil, experiências pontuais foram adotadas com diferentes graus de sucesso.
Salazar cita o caso dos Compaz, centros comunitários que ajudaram a baixar os índices de criminalidade nas regiões do Recife onde se instalaram -o secretário municipal de Segurança Urbana da cidade, Murilo Cavalcanti, estará também no evento desta quarta.
No Rio de Janeiro, com recursos do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), foram construídas bibliotecas e teleféricos em favelas. Mas, hoje, boa parte da infraestrutura está sem uso -os teleféricos do Alemão, por exemplo, foram desativados em 2016.
Os teleféricos foram, em Medellín, parte da ampliação e modernização do transporte público, essencial para unir diferentes setores da cidade.
“Em Medellín se falava que havia um muro imaginário que separava a zona norte da zona sul, sendo o sul a prosperidade, e o norte, a cidade marginal”, diz, aludindo ao fato de terem se fixado no norte enormes contingentes de ex-moradores rurais expulsos de suas regiões pelo avanço do narcotráfico e guerrilhas.
“Em zonas como a Comuna 13, onde fizemos escadas rolantes, gerou-se um fenômeno interessante de turismo. Vinha gente da cidade e também dos Estados Unidos e da Europa passear pelos bairros, conhecer essa transformação e a história dos conflitos.”
Com isso, diz o colombiano, modificou-se a percepção da cidade. Entre exemplos nesse sentido, ele cita a iniciativa de dar bolsas para que estudantes de extratos populares ingressassem em universidades privadas e eventos com convidados vindos de fora em espaços públicos de zonas populares.
Salazar resume o urbanismo social como um processo de “tecer a cidade”; fazer com que ela possa “se integrar por meios materiais e físicos mas também os imaginários”.

ArqFuturo – Conexão Medellín x Recife x São Paulo
Qua. (13), das 9h às 12. Rua Quatá, 300, São Paulo. Inscrições no site insper.edu.br

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