MARINA DIAS
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Dan Wu convive há tempos com o que chama de pequenas agressões e atos diários de racismo. Nos EUA desde que tinha oito anos, o imigrante chinês –hoje com 46– diz que é vítima de piadas e questionamentos sobre sua origem com certa frequência, em uma alegoria do preconceito sistêmico enraizado no país.

Crianças zombam dele, adultos perguntam como um “japa” consegue falar inglês, se existem mais pessoas com seu sobrenome, e assim por diante. Até agora, os ataques foram sempre verbais.

Dono de um restaurante de lamen no Kentucky, Wu afirma que os asiáticos-americanos são considerados uma espécie de minoria modelo, porque não costumam se rebelar. Estão escorados em uma sensação de segurança e aceitação ilusória, explica, rapidamente dissipada quando acontece uma tragédia.

“Vários estereótipos sobre asiáticos-americanos são positivos: devemos ser inteligentes, bons em matemática, música, comida, mas não podemos ser engraçados, criativos, atléticos ou pensadores políticos”, diz Wu. “São aspectos conferidos pelo sistema racista em que vivemos e que fez um trabalho eficaz em nos manter separados dos negros. Somos tratados de maneira diferente, nos foi dada essa ‘branquitude condicional’ para que muitos de nós possamos tocar nossos negócios até a hora em que não podemos mais, pois somos atacados.”

Os atentados há pouco mais de dez dias a três casas de massagem em Atlanta, na Geórgia, chamaram a atenção para a recorrência de crimes de ódio contra asiáticos-americanos. Das 8 pessoas mortas, 6 eram mulheres de origem asiática, os principais alvos de milhares de ataques discriminatórios que têm acontecido contra essa população desde o início da pandemia.

O Stop AAPI Hate, centro criado para registrar violência contra asiáticos-americanos, recebeu 3.795 denúncias de março de 2020 a fevereiro deste ano –503 nos últimos dois meses. Em relatório, a entidade mostra que mulheres reportam 2,3 vezes mais ataques verbais ou físicos do que homens e que os chineses são os mais atingidos pelas agressões: 42,2% das ofensas são dirigidas a eles.

Após o episódio em Atlanta, Wu intensificou seu ativismo. Agora que os crimes de ódio contra asiáticos estão sob holofote, diz, seu principal objetivo é formar uma coalizão mais ampla, que englobe outras minorias para lutar pelo fim do racismo nos EUA.

Wu considera o atentado em Atlanta o mais forte contra a população asiático-americana dos últimos anos. Segundo a polícia, o suspeito não alega motivação racista, mas o imigrante chinês diz que é preciso chamar as coisas pelo nome.

“Ele [assassino] é parte de um quadro maior de supremacia branca, racismo, sexismo, anti-imigrante. Ele escolheu como alvo propriedades de asiáticos. Não importa o que ele diga, são assassinatos motivados por raça e gênero.”

Para Wu, a Covid-19 e o discurso de ódio contra a China promovido pelo ex-presidente Donald Trump alimentaram as mais recentes agressões, mas não as explicam completamente.

“A história americana é enraizada na exploração e na violência contra pessoas não brancas”, diz Wu. “Não acho que Trump foi a causa, acho que ele é o megafone e o interruptor de luz. O ódio e o racismo sempre estiveram lá.”

Trump culpou a China pela pandemia, apelidou o coronavírus de “vírus chinês” e intensificou a retórica anti-Pequim –esta também abraçada por Joe Biden.

“Há essa confusão entre a China, país estrangeiro com quem os EUA têm rivalidade política e econômica, e pessoas que vivem nos EUA e se parecem comigo, não importa de onde elas sejam”, afirma Wu. “Todo asiático-americano que conheço é chamado de forma errada aqui. Você é chinês e alguém te chama de ‘japa’. Aos olhos deles [americanos], somos todos o mesmo amontoado de gente.”

Esse tipo de xingamento ou assédio verbal representa 68,1% das denúncias de agressão contra asiáticos-americanos nos EUA, ainda de acordo com o Stop AAPI Hate. Outros 20,5% dizem que são ignorados de forma deliberada e 11,1% afirmam ter sofrido agressão física. Os números, no entanto, representam apenas uma fração das ocorrências, já que muitas das vítimas não reportam os crimes.

Além disso, dizem especialistas, comprovar motivação racista pode ser particularmente difícil em ataques contra asiáticos, pois não existe um símbolo específico ou um protótipo fácil de reconhecer contra eles. Mesmo Wu admite que, muitas vezes, não reporta as agressões que sofre.

Como dono de restaurante, diz que trabalha no limite da dinâmica com o cliente e se reconhece como privilegiado em comparação a imigrantes que vêm da Ásia já adultos, sem saber falar inglês e, muitas vezes, sem documento. Wu nasceu na cidade chinesa de Wuxi e morou em Xangai e Pequim antes de se mudar para os EUA.

As agressões sofridas por ele e tantos outros têm se espalhado pelos 50 estados americanos e a capital Washington no último ano. Wu lamenta o cenário sombrio, mas diz que mudanças efetivas só vão acontecer se o mito da minoria modelo acabar. “Temos que assumir o controle da nossa narrativa”, diz. Nem todos pensamos da mesma maneira, temos a mesma religião ou os mesmos sucessos. Temos que entender isso e rejeitar os rótulos que nos dão.”

 

Foto de destaque: Governo da China/Divulgação

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