IARA LEMOS
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Presidente no Congresso da Comissão Mista de Controle e Inteligência, o senador Nelson Trad (PSD-MS) é responsável por coordenar a análise do relatório produzido pelo Ministério da Justiça sobre opositores políticos.

Em seu primeiro mandato como senador, ele defende que o grupo cobre explicações do governo. Na análise de Trad, o Estado democrático ficaria ameaçado caso sejam permitidas investigações políticas contra opositores.

O Ministério da Justiça encaminhou há alguns dias ao Congresso o relatório produzido pelo governo Jair Bolsonaro sobre a atuação de 579 policiais e professores identificados como antifascistas.

No dia 7, o ministro André Mendonça admitiu a existência do documento em sessão virtual da comissão, na qual entregou o documento a Trad “O relatório existe. O que não existe é um dossiê”, disse.
Na semana passada, por 9 a 1, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou que a pasta suspenda a produção de relatórios contra integrantes do movimento antifascista ou qualquer outro opositor que aja dentro da lei.

Para Trad, a comissão no Congresso conseguiu dar “holofote” à questão de monitoramento de opositores. “Pode ter certeza absoluta que depois de tudo isso vão pensar duas vezes para poder voltar a fazer o que, porventura, não deveria ter sido feito.”

Trad também preside a Comissão de Relações Exteriores, responsável pela aprovação de embaixadores, o que tem sido uma lacuna da política externa brasileira –desde junho de 2019, por exemplo, o país está sem titular na Embaixada dos EUA e, segundo o senador, deve entrar 2021 sem um novo embaixador.

Eleitor de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para a presidência do Senado, Trad integra ainda o grupo que defende sua reeleição, mesmo que para isso seja preciso um enfrentamento jurídico: “Tudo é questão de interpretação”.

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Pergunta – Como os parlamentares receberam esse relatório feito pelo governo?

Nelson Trad – Essa é uma comissão mista que todo governo tem e terá. É uma comissão muito sensível, formada pelos titulares da Comissão de Defesa do Senado e da Câmara, líder da maioria e minoria do Senado e da Câmara e por três outros parlamentares indicados por esses blocos.
Ela precisa que todos se comprometam em um grau de confidenciabilidade, para que assuntos de grau de caráter reservado e sigiloso possam ser reportados com sigilo e bom senso.

Se o governo alega que não há irregularidade no relatório, por que sigilo?

NT – As questões oriundas desse serviço de inteligência já têm, pelo próprio rito da tramitação, um caráter de confidencialidade. Desde que foi esclarecido, do ponto de vista regimental, não houve um parlamentar que discordasse dessa questão.
A gente se reuniu duas vezes, com 90% de presença, e todo mundo constatou que era um chamamento para podermos passar essa história a limpo. Era preciso, para que não haja mais dúvida, para que o Estado democrático de Direito não venha a ser ameaçado. A gente conseguiu se reunir e dar holofote à questão.

De que serviu toda essa questão?

NT – Se é que fizeram ou iriam fazer qualquer medida no sentido de acompanhar a atividade deste ou daquele que pensa diferente do governo, pode ter certeza absoluta que depois de tudo isso vão pensar duas vezes para poder voltar a fazer o que, porventura, não deveria ter sido feito.

Houve a intenção de investigar?

NT – Não vou entrar no aspecto da intenção, mas houve sim a averiguação de determinadas pessoas em seu ambiente. Qual a intenção disso? Aí tem de ser questionado a quem mandou fazer.

E isso será questionado pela comissão?

NT – A comissão está funcionando sem ter um embasamento legal das comissões. Tanto que, se surge uma polêmica lá e a gente não consegue resolver em consenso, nem deliberar ela pode.

Se a comissão está informal, como o ministro foi ouvido?

NT – A questão está circunscrita dentro de uma transparência. O ministro foi convidado a participar de uma reunião informal e se dispôs a ir. Se quisesse ganhar tempo, esperar voltar as comissões, ele teria embasamento para fazer isso, mas ele não quis.

Os próximos passos ficam prejudicados?

NT – Todos os membros que tiverem acesso ao relatório e quiserem chamar uma reunião, vamos chamar. Agora, se tiver algum desdobramento, outro convite –e com certeza terá, porque esse assunto se politizou–, vamos ser demandados a decidir determinadas coisas. Eu, na qualidade de presidente, tenho de agir de forma imparcial.

Qual o prejuízo para a política externa brasileira não termos ainda titular na embaixada dos Estados Unidos?

NT – Isso tem me incomodado muito. Não só pela embaixada, mas também por mais de 40 movimentações que estão na comissão e precisam ser feitas. Isso me deixa constrangido. Já tentei levar o assunto ao presidente Davi [Alcolumbre] várias vezes, mas ele coloca a questão de segurança dos servidores.

Não teria como fazer de forma virtual?

NT – Não se desenvolveu ainda uma logística dentro da internet de lá [Senado] para garantir o voto secreto. Se fosse só a reunião com sabatina, era possível, mas é preciso ir à cabine votar e isso iria ao plenário. Não temos como.

Reeleição no Senado, o senhor defende?

NT – O Davi foi uma grata e excelente surpresa. Muita gente questionou sua experiência, mas ele se saiu um presidente moderado e nos grandes debates fez uma travessia sensível. Na minha avaliação um novo mandato será muito benéfico para a sociedade.

Mesmo que seja preciso “pedalar” a legislação?

NT – Sim. É uma questão de interpretação. Parece que já teve precedente. Se vier uma decisão da Justiça, penso que devemos dar um segundo mandato a ele.

É o que o governo sonha?

NT – O presidente de um Poder tem de manter uma relação de equilíbrio para navegar com tranquilidade. Já ouvi que o Davi é mais para situação que oposição. Eu entendo que o Davi se saiu muito bem nos debates que o Brasil precisa.

O sr. considera que o governo federal está funcionando?

NT – Penso que sim, em função da situação que estamos vivendo. Não se pode deixar de observar os auxílios que foram dados. Isso reflete nas pesquisas de opinião. Agora, temos muita coisa ainda a fazer. Não sei se teremos tempo.

O sr. acredita que centrão possa ter força no Senado tanto quanto na Câmara?

NT – Se jogar no meio popular já vão achar que são parlamentares que não prestam, que votam com seu interesse, e não é bem assim. Não adianta querer passar trator. No Senado é o entendimento que prevalece.

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RAIO-X
Nelson Trad, 59
Natural de Campo Grande (MS), é médico, com especialização em cirurgia-geral, urologia, medicina do trabalho e saúde pública. Iniciou a carreira política em 1992, como vereador em Campo Grande. Foi prefeito da cidade reeleito e deputado estadual. Eleito senador em 2018.

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