FÁBIO ZANINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, 62, diz que o enfrentamento ao coronavírus não pode repetir os erros da crise de 2008, quando as políticas do governo para tentar estimular a economia acabaram jogando o país numa recessão alguns anos mais tarde.

Ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung. Foto: Reprodução

“O Brasil tem uma experiência de lidar com a crise de 2008/2009, que produziu um fracasso e desorganizou a economia brasileira”, afirma Hartung.
Reconhecido por ter feito uma gestão que arrumou as contas de seu estado, ele concorda com medidas para aumentar o gasto público nesse momento, mas diz que têm de ser feitas de maneira criteriosa.
“O Brasil está indo pegar o dinheiro dos seus filhos, netos, das futuras gerações. Esse é um dinheiro que precisa ser alocado de uma maneira extremamente respeitosa, criteriosa”, diz.

LEIA A ENTREVISTA:

PERGUNTA: Governos estão prometendo responder à crise aumentando gasto. O que o sr. acha?
PAULO HARTUNG: É preciso entender a gravidade da crise. Essa geração não conviveu com nada igual. Você tem uma crise de saúde pública que, ao ser enfrentada, tem um enorme impacto na economia e com repercussões sociais extremamente relevantes. Problema de renda, famílias, desemprego, desocupação. O remédio não é ideológico, de corrente de pensamento político ou econômico. O remédio é universal. Não tem diferença entre o que o governo chinês está fazendo, o da Alemanha, e o que nós temos de fazer aqui. Nesse momento você precisa sacar um dinheiro do futuro, que pertence às futuras gerações. Vai aumentar a dívida do país. O Brasil está indo pegar o dinheiro dos seus filhos, dos netos, das futuras gerações. É um dinheiro que precisa ser alocado de uma maneira extremamente respeitosa.

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PERGUNTA: Como evitar que a situação de agora se transforme numa situação de insolvência depois?
PAULO HARTUNG: Crise tem começo, meio e fim. E tem o pós-crise. Temos de trabalhar de uma maneira que no pós-crise o país volte a ter tração de desenvolver e ofertar oportunidades para os seus filhos. O Brasil tem uma experiência de lidar com a crise de 2008/2009 que produziu um fracasso. Um fracasso que desorganizou a economia brasileira, que gerou um nível de desemprego dramático. Temos uma experiência na esquina, não é longe. Tem que ampliar o gasto público. Primeiro, para estruturar melhor o nosso serviço de saúde, comprar respiradores, contratar gente, equipamentos de proteção para os profissionais. Pega aquela fila do Bolsa Família e incorpora, mesmo que tenha alguma distorção aqui ou acolá. Cria alguma proteção para os trabalhadores informais. Mas daí para a frente, precisa ser muito seletivo. Senão, daqui a pouco está aí o governo cobrindo equívocos de aplicações financeiras de A, B, ou C. O software que a gente trabalhava era de uma realidade. A realidade mudou, e a gente tem que trocar o software.

PERGUNTA: Qual vai ser o momento de retomar a austeridade?
PAULO HARTUNG: Acho que é possível fazer um plano anticíclico bem feito, bem desenhado, que pode consumir recursos da execução orçamentária de 2020 e não penetrar na de 2021. Se a gente tiver que olhar para 2008, 2009, as medidas que foram tomadas, qual foi o grande erro do Brasil? Não foi fazer um plano anticíclico. Na hora que fez, cuidando do crédito, do consumo, acertou. Errou quando não saiu. Os EUA protegeram montadoras de automóvel, o que passa do ponto. A Inglaterra protegeu seu sistema bancário. Mas eles foram hábeis de entrar, dar um gás para a economia respirar e tirar o time, deixar a economia fluir.

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PERGUNTA: O sr. acha que pressões políticas e financeiras podem se avolumar?
PAULO HARTUNG: Precisa ter um perfil no governo central para o enfrentamento dessa crise. Quando você olha a Segunda Guerra Mundial, você vê a figura do [primeiro-ministro Winston] Churchill. Está faltando essa figura para conversar com o Legislativo, com o Judiciário, com a sociedade. Para a gente ao mesmo tempo fechar a porta para uma fragilidade humana, que é tentar fazer de uma crise grave como essa oportunidade para tirar proveito. Quem corrige isso é uma liderança responsável, com credibilidade junto à sociedade. Ainda não engatamos a marcha que precisamos engatar. Nessa hora, briga política é uma coisa que beira o absurdo. O que precisamos agora é de união nacional.

PERGUNTA: O sr. foi governador, o que o sr. acha dessa articulação deles à revelia do presidente Bolsonaro?
PAULO HARTUNG: Não tem problema ter articulação de prefeitos e governadores. Mas tem que articular com o governo federal. Temos uma certeza de que vai piorar muito, para depois melhorar. Como vai sair da crise? A economia brasileira já não estava bem. Cresceu 1,1% no ano passado, um crescimento medíocre. Investimento de 15% do PIB, baixíssimo. Investimento público desapareceu.

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PERGUNTA: Como o sr. viu as medidas de estímulo anunciadas até agora? São suficientes?
PAULO HARTUNG: São medidas boas. A sociedade não está conseguindo acompanhar o debate e a tramitação delas. Há um problema de comunicação. O pacote tem elementos positivos. Poderão ser complementados por outras medidas, tendo alguns cuidados. Lembrar de onde está vindo esse dinheiro e que essa alocação tem de ser feita com zelo, justiça e por um tempo determinado.

PERGUNTA: O sr. acha que a crise, quando passar, pode dar impulso às reformas econômicas?
PAULO HARTUNG: Toda crise carrega três coisas: aprendizado, oportunidades e a ideia de que tem fim, não é eterna. Cria oportunidades para fazermos uma discussão sobre o país que queremos, mas não é agora. A crise explicita de uma forma dramática nossas contradições, a desigualdade, a baixíssima mobilidade social.

PERGUNTA: De que forma a demora do presidente de reconhecer que há uma crise e o desprezo pela importância dela impactam no seu combate?
PAULO HARTUNG: Está muito claro que nós perdemos tempo. Mas não devemos ficar parados, e muito menos transformar esse episódio em luta política. Precisamos de uma liderança. Se eu pudesse clamar por uma coisa é baixar a bola.

RAIO-X – PAULO HARTUNG
Idade: 62
Formação: graduado em economia pela Universidade Federal do Espírito Santo
Principais cargos: Governador do Espírito Santo (2003-11 e 2015-19), senador (1999-2002) e prefeito de Vitória (1993-97)

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