Por Gleyson Tete, com a edição de Angèle Murad (Ales)
A proposta do governo do Estado de concessão do Parque Estadual de Itaúnas à iniciativa privada foi tema de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa (Ales). O evento aconteceu na noite desta quinta-feira (7), numa quadra poliesportiva na Vila de Itaúnas, e reuniu moradores da comunidade e do entorno, ambientalistas, especialistas em meio ambiente, políticos e autoridades. Diversas pessoas contra e a favor da medida se manifestaram com cartazes e faixas.
No início dos trabalhos, a deputada estadual Iriny Lopes (PT) falou que não houve discussão prévia sobre a concessão do parque e que o projeto para a unidade envolve turismo de massa, o que demandaria grandes investimentos financeiros.
“Invade a Constituição Federal e as legislações federal e estadual. Vai ter uma forte repercussão ambiental e socioeconômica. Os parques existem para fazer conservação, é natural atrair turistas, mas as unidades são para conservação. Existe diferença entre turismo de massa e de comunidade”, disse a parlamentar, que é membro efetivo da Comissão de Meio Ambiente.
Para a deputada Camila Valadão (Psol), a proposta está gerando muitas dúvidas porque vai trazer muitos impactos nas unidades de conservação. Para ela, o projeto que abrange seis unidades, precisa ser discutido com todos.
“A Secretaria de Meio Ambiente está projetando um milhão de pessoas por ano aqui. Antes de vocês saberem pelos jornais deveriam saber por meio da Seama (os termos da concessão)”, salientou a suplente do colegiado
Uma das participantes foi Maria da Penha Padovan, bióloga e primeira diretora do parque, criado no início da década de 90. Ela recordou que o parque completa 33 anos nesta sexta-feira (8). “Esse parque é uma dádiva. Ele foi criado para evitar a instalação de um hotel na beira das dunas. E agora estamos aqui por praticamente o mesmo motivo”, lamentou.
Padovan mostrou preocupação em relação à proposta, ressaltando que pouca gente sabe o que realmente pretendem instalar no parque. “Não vi o projeto e muita gente não viu. Pela imprensa ficamos sabendo que terão estruturas muito grandes. (…) O parque é pequeno, não é como o Parque Nacional de Iguaçu, que tem mais de 180 mil hectares”, argumentou. Para a bióloga, o Parque de Itaúnas, que tem pouco mais de 3.400 hectares, não comporta as estruturas especuladas.
Seama
Assessor especial da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), Victor Ricciardi desculpou-se com a comunidade por não ter dialogado antes com eles. Ele é um dos coordenadores do Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação do Espírito Santo (Peduc), que prevê a concessão de seis parques estaduais, entre eles, o de Itaúnas.
“Vamos criar um escritório aqui dentro para conversar com cada um de vocês. Vamos conversar com todos os grupos”, prometeu. Ricciardi informou que, desde meados de 90, há a discussão de concessão do parque e que o projeto não será realizado “goela abaixo” da comunidade de Itaúnas. Também frisou que a proposta vai se adequar ao plano de manejo do parque.
Quem também esteve no encontro foi o biólogo Hugo Cavaca, que fez uma palestra sobre o Peduc. Ele questionou o fato de o programa estar no âmbito da Seama, e não do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), e ainda a ausência de debate com a comunidade sobre o respectivo plano de manejo da unidade.
“É um programa de desenvolvimento sustentável mesmo? Por que a gestão do programa é da Seama e não do Iema? Cadê a participação popular?”, indagou. De acordo com Cavaca, o projeto vai de encontro ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei Federal 9.985/2000) e ao Sistema Estadual de Unidades de Conservação (Lei Estadual 9.462/2010).
O subsecretário estadual de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental, Robson Monteiro, falou que o Peduc prevê uma concessão de 35 anos e não uma privatização do parque. “Vai ter regras, ordenamento próprio, não transfere os ativos para o concessionário. (…) O plano de manejo vai definir o que vai ter (em cada parque) (…) Queremos o melhor para o parque e para a população de Itaúnas”, assegurou.
Moradores
Vitor Maia, presidente da Associação Empresarial e Turística de Itaúnas, disse haver um ponto de vista positivo da concessão, mas criticou a falta de uma conversa prévia com a comunidade.
“Itaúnas é diferente de outros parques. A Vila é um destino turístico, mas hoje está sucateada. (…) O meio ambiente é muito importante, os moradores querem preservar, mas precisam trabalhar para sustentar os filhos, (..) Nosso parque está abandonado e precisamos de políticas públicas”, disparou.
Já Rafael Pena de Oliveira, morador de Conceição da Barra, pontuou que as pessoas precisam conversar sobre a proposta da Seama. Segundo ele, Jericoacara, no Ceará, tem características parecidas com Conceição da Barra. A vila cearense recebe cerca de 1,5 milhão de turistas por ano, tendo a reserva mais ou menos três vezes o tamanho da de Itaúnas. Apesar do alto fluxo proporcionado pelo turismo de massa, ele destacou que a riqueza não fica para os nativos de Jericoacara, mas para empresários que vieram de fora.
Segundo o presidente da Associação de Moradores de Itaúnas, João Pedro Maia, os moradores querem discutir o projeto de concessão e também querem melhorias para a Vila de Itaúnas. “Não estamos aqui para destruir a natureza. Quem preserva o parque somos nós, e hoje (ele) está sucatado”, lastimou.
Irilene Conceição, dona de pousada, ressaltou que a Vila de Itaúnas é um local turístico e que todos querem a comunidade estruturada, porém, não querem “pessoas de fora” para tocar essa iniciativa. Beatriz Campos, professora e residente na Vila, contou que existem 23 sítios arqueológicos dentro do parque e que o progresso prometido deve ser associado com a proteção ambiental e o respeito às comunidades tradicionais da região.
Raoni Carvalho, comerciante de Itaúnas, disse que as pessoas querem explorar o parque de forma sustentável e autônoma. “Ninguém aqui quer ser empregado de bacana. A gente tem condições de fazer, mas precisamos de pequenas concessões para isso”, pontuou.
Gessi Cassiano, representante da comunidade quilombola de Linharinho, que fica próximo à entrada do parque, frisou que a concessão vai trazer pessoas de fora para tomar conta dos empreendimentos que serão construídos e que o município olha pouco para Itaúnas. Ela citou que a localidade tem vários problemas, entre eles, a falta de água e de saúde pública.
De acordo com a deputada Iriny Lopes, foi contratada uma empresa (Ernst & Young) sem licitação por aproximadamente R$ 8 milhões para apresentar o modelo de concessão. “Por que esses R$ 8 milhões não foram aplicados para resolver os problemas (dos parques)? A convivência do parque com o desenvolvimento econômico tem que ser harmônica, porém, não há harmonia com grandes empreendimentos. Não deu certo em lugar nenhum do mundo”, afirmou.
Mais participação popular
Yuri da Paixão, morador da Vila e filho de um ex-gestor do parque, salientou que todo mundo quer receber e quer trabalhar, mas que toda vez que uma empresa chega na região é para explorar economicamente sem retorno algum para a comunidade.
Eduardo Lage, também residente, lembrou que no passado muita gente foi contra a chegada da pavimentação no lugar, mas que hoje a via facilita o deslocamento delas. Para ele, a comunidade precisa se unir para conseguir o melhor para todos.
Também morador da localidade, Afonso Marcondes contou que tem receio de acontecer com Itaúnas o mesmo que ocorreu com Porto Seguro que, conforme disse, não tem nativos no comando dos empreendimentos. “Não sabemos de verdade o que tem nesse projeto”, criticou.
Arthur Carvalho, que trabalha com turistas no lugar, informou que é a favor do projeto se a comunidade puder participar. “Se querem colocar pousada, tem um monte aqui para vender”, mencionou. Também reclamou que os gestores do parque não deixam os nativos fazerem nada, como por exemplo, pescar, e que é preciso flexibilizar algumas regras para o sustento das pessoas.
Para Raniele Junior, que trabalha com pousada em Itaúnas, os moradores querem turismo sustentável, e não desordenado. Ele cobrou mais diálogo do poder público com a comunidade.
“Nossos avós venderam terrenos a preço de banana, não vamos aceitar isso”, desabafou. Fabrícia Maia destacou que todos querem o progresso, mas junto com a proteção do meio ambiente. “Ninguém quer destruir (o parque), Nós que preservamos ele. (…) Queremos o progresso junto com o desenvolvimento ambiental”, frisou.
Adelso Lima, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que mora num assentamento às margens do Rio Itaúnas, falou que ninguém é contra o desenvolvimento, mas que é preciso o envolvimento das pessoas, que sem isso não é algo sustentável.
Integrante da comunidade indígena Pataxó, Dagmar da Paixão reforçou que é necessário ouvir os moradores de Itaúnas. Ela comentou que existem outras prioridades para a Vila, como uma escola estadual para as pessoas não precisarem sair da comunidade para estudarem.
Considerações finais
Ao final dos trabalhos, alguns dos integrantes da mesa fizeram as considerações finais. Victor Ricciardi garantiu que o projeto será apresentado à comunidade até dezembro deste ano, mas que todo o processo só será concluído em 2025 depois de ouvir todos os envolvidos.
A bióloga Maria da Penha Padovan lembrou que, sem conservação, não há turismo. “Os turistas querem ver a natureza preservada. Esse é o objetivo principal”, salientou.
Camila Valadão pediu para a comunidade não ser “comprada” pela promessa de desenvolvimento e que os relatos sobre os parques estarem “abandonados” são verdadeiros. “Precariza e depois vende. É grave a situação das unidades de conservação”, apontou.
Por fim, Iriny indicou que estava satisfeita com o resultado da audiência pública. “O progresso chega, mas o debate que precisamos fazer é: para quem? Todos criticaram os problemas que o parque tem, mas também o anúncio da abertura que vai ser dada para os investidores. (…) Essa audiência abre uma sequência de debates que vamos abrir um a um. Quando apresentarem o plano estarei aqui com a comunidade”, garantiu.
Também compuseram a mesa de trabalho a advogada Luara Reuter e o quilombola Teresino Trindade, da comunidade Angelim. Também compareceu à reunião o vereador eleito pelo PT em Conceição da Barra Waldir de Itaúnas.
Concessão
Em junho de 2023, o governo do Estado publicou o Decreto 5.409-R, que criou Peduc, que tem a coordenação e gestão da Seama. Dentre os objetivos do programa, está a proposta de desenvolvimento de turismo sustentável e de outras atividades econômicas dentro dos parques da Cachoeira da Fumaça (Alegre), Forno Grande e Mata das Flores (ambos em Castelo), Paulo César Vinha (Guarapari), Pedra Azul (Domingos Martins), além de Itaúnas, citado anteriormente. A ideia é promover preservação ambiental por meio de atividades turísticas e econômicas sustentáveis.
Parque de Itaúnas
O Parque Estadual de Itaúnas foi criado oficialmente em 8 de novembro de 1991. Ele fica localizado no município de Conceição da Barra. A área total possui 3.481 hectares e o bioma predominante é a Mata Atlântica. Os ecossistemas presentes são restinga, manguezal, dunas, floresta de tabuleiro e alagados. Informações do Iema apontam que Itaúnas é o parque estadual mais visitado do Estado, recebendo aproximadamente 100 mil pessoas por ano.
Foto: Gleyson Tete/Ales