Seis famílias residentes na zona rural de São Mateus, no Córrego do Tapuio, no Distrito de Nova Verona, estão vivendo momentos de tensão com a possibilidade de serem despejadas de suas propriedades. Integrante de uma das famílias, o produtor rural Edmilson Appolônio Bettim explica que no final de 2024 foi notificado de um mandado de desapropriação emitido pela Justiça Federal em São Mateus, dando prazo para que as famílias desocupem as respectivas propriedades, “voluntariamente”, até 13 de fevereiro.
Ele aponta que a decisão foi baseada em um processo iniciado pelo Incra em 2009, quando foi feito um laudo agronômico de fiscalização, datado de 5 de junho daquele ano, classificando o imóvel rural, denominado Fazenda Floresta e Texas, com 592,9 hectares, como “grande propriedade improdutiva”.
Segundo Edmilson, a terra, que foi herdada pelo pai dele, Ervídio Bettim, do avô Argeu Bettim, já foi subdivida entre os demais familiares. Ele aponta que a área total, atualmente em torno de 160 alqueires –cerca de 770 hectares mineiro, somando as propriedades dele, dos irmãos e do pai–, possui escrituras individuais para cada lote de terras.
“O Incra diz que a nossa terra é improdutiva e nós provamos que ela é produtiva. Agora conseguiram uma liminar para retirar as famílias da nossa terra até o dia 13 de fevereiro. Nós moramos na terra há muitos anos. Meu pai, que tem 79 anos, é nascido e criado aqui. Foi passada de geração para geração. Provamos que [a terra] é produtiva e eles não estão respeitando. Estão passando por cima da lei. São seis famílias que moram na terra, nascidos e criados. Sempre moramos aqui e essa é nossa realidade. Sempre teve gado, café e pimenta[-do-reino] e continua tendo” – afirma Edmilson.
Segundo ele, servidores do Incra estiveram nas propriedades em duas oportunidades. Frisa que a primeira ocorreu em 2009 e a segunda em dezembro do ano passado, quando foi detalhada a subdivisão da terra. No entanto, o produtor entende que é necessária uma nova perícia com o objetivo de evidenciar que as terras são produtivas.
Para a reportagem, Edmilson apresentou o relatório produzido pelo Incra em 2009 detalhando o uso da terra. Segundo o material, na época foram verificados plantações de café (72,6 hectares), mandioca (5,3 ha), eucalipto (0,8 ha), pimenta-do-reino (1,8 ha), coco (0,04 ha), dentre outros cultivos. Também, segundo o relatório apresentado pelo produtor, o Incra constatou atividade pecuária, com um touro, 23 vacas, 3 novilhas de 2 até 3 anos, 49 bois de 1 até 2 anos, 42 bezerros, 22 equinos e 150 caprinos, no total de 290 animais.
Produtor rural alega que Incra está se baseando em escritura antiga
O produtor rural Edmilson Bettim afirma que o Incra está se baseando numa escritura antiga, “que era do tempo do meu pai, quando era uma escritura só”, para declarar a terra improdutiva. “Hoje já existem escrituras separadas e eles não aceitam”.
O mandado de desocupação da Justiça Federal que a Reportagem teve acesso afirma que as famílias deverão ser indenizadas pelas terras com valores de mercado. No entanto, o produtor rural Edmilson afirma que nenhuma das famílias foram informadas sobre indenização e nem em relação a valores.
“Se vamos receber alguma coisa não falaram nada com a gente. Nunca depositaram nada em conta nossa. A gente não tem conhecimento. Se sairmos, vamos ficar sem nada, nem dinheiro. Vamos fazer o quê? Sem dinheiro e sem lugar para ficar, vamos para onde? A situação é difícil” – questiona.
Edimilson afirma ter dois irmãos que também são moradores do local, em suas respectivas propriedades, além do pai Ervídio Bettim. “No caso, tem mais de 100 anos que estamos aqui porque meu pai já vai fazer 80 e nasceu aqui na terra. A gente pede que seja mostrada a realidade e que a justiça seja feita porque estamos querendo provar a verdade que todo mundo sabe e o Incra diz o contrário. Aqui na terra tem crianças e idosos. São muitas famílias” – relata.
DEFESA
Advogado da família de Edmilson Bettim, Clinton Cimadon disse ter sido procurado e que, de imediato, percebeu que o caso não cabe imissão de posse. “Existem idosos nas terras, crianças e produtividade e posso atestar porque conheço a família desde a minha infância. Conversei com o oficial [de Justiça] e fiz um requerimento para protelar o despejo por causa das crianças, adolescentes e idosos. Nenhum conselho de proteção a crianças ou idosos esteve no local. Onde eles serão colocados? E as colheitas? Porque foram feitos investimentos. Pedi que fizesse o requerimento verbal ao juiz e retornasse. O juiz deu esse tempo para fazer o levantamento, que é até o dia 13 de fevereiro, para analisar. Falam sobre improdutividade baseado em um relatório do Incra, mas se for vistoriado novamente, a realidade é outra e é isso que estamos buscando” – conclui o advogado.
Atingidos ganham apoio de autoridades capixabas
Em busca de apoio para tentar reverter a ordem de desapropriação, Edmilson e outros moradores se reuniram na segunda-feira (6) com diversas autoridades, incluindo os secretários de São Mateus, Edvaldo Permanhane (Agricultura) e Welington Secundino (Meio Ambiente), “para mostrar que não é essa a realidade da terra”.
Segundo Edmilson, na reunião desta semana, ocasião em que participaram também o prefeito de Nova Venécia, Lubiana Barrigueira, além dos deputados Evair de Melo (federal) e Lucas Polesi (estadual), e o senador Magno Malta, ficou entendido que uma nova perícia deverá ser feita para que as famílias possam provar que as terras são produtivas com o objetivo de reverter a decisão de desapropriação.
Em outra frente, ele afirma que a defesa requereu mais tempo para que eles possam ficar nas terras, pelo menos até concluir as colheitas de café e pimenta-do-reino. “Nós também temos gado e a gente precisa de espaço. Como vamos sair de uma hora para outra? Temos muito gado na terra e precisamos organizar a vida. Não temos lugar para ir porque moramos em na terra” –detalha Edmilson.
Outros produtores também são contrários à desapropriação, afirma Permanhane
Secretário municipal de Agricultura e presidente da Associação Agricultura Forte, Edvaldo Permanhane afirmou que também estiveram presentes na reunião desta semana moradores do entorno onde estão localizadas as propriedades das famílias que receberam ordem de despejo, além de agricultores de Jaguaré, Nova Venécia, Sooretama, Vila Valério, Linhares e Cachoeiro de Itapemirim.
Segundo ele, todos manifestaram-se contra o Incra e a favor da família. “Os produtores acharam viável pedir ao governador Renato Casagrande, que como chefe do Estado e um homem de família, é também um homem de Deus, ele não deixe os filhos dele brigar. Deixa quem tem terra trabalhando e vamos arrumar um crédito fundiário para quem não tem e quer comprar” – frisou.
Permanhane afirmou cerca de 400 produtores rurais capixabas participaram da reunião e se mostraram contra a desapropriação. “São seis famílias que estão lá há mais de 80 anos. A terra é produtiva. Em 2009, a avaliação do Incra afirmou que a terra não era produtiva e o caso foi julgado à revelia”.
CASAGRANDE
Famílias atingidas aproveitaram as agendas do governador Renato Casagrande nesta quinta-feira em São Mateus e levaram o caso até ele. No Hospital Roberto Silvares, alguns produtores conversaram com o governador. Edvaldo Permanhanse afirmou ainda que ficou entendido que Casagrande, além do vice-governador Ricardo Ferraço, tem poder para ajudar as famílias.
Incra diz que imóvel não cumpre função social da terra
Em resposta à Reportagem, a Assessoria de Comunicação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) diz que o imóvel rural foi vistoriado em 2009 e, “cumprindo o que determina a legislação vigente, seus proprietários foram notificados previamente sobre a fiscalização da propriedade”.
Segundo o órgão, a avaliação refere-se aos 12 meses anteriores à notificação, “motivo pelo qual o período de análise nos procedimentos de fiscalização e vistoria da propriedade em termos produtivos abrangeu os meses de fevereiro de 2008 a março de 2009”.
O Incra explica que a Constituição Federal prevê que a propriedade rural deve cumprir requisitos da função social, “com aproveitamento racional e adequado” que demanda o atingimento de índices técnicos do Grau de Utilização da Terra (GUT), superior a 80%, e do Grau de Eficiência de Exploração (GEE), superior a 100%.
“O laudo elaborado em decorrência da fiscalização realizada no imóvel em questão o classificou como grande propriedade improdutiva, uma vez que GUT alcançou 49,61% e o GEE atingiu 69,12%, demonstrando que o imóvel não comprovou sua produtividade em razão dos índices apresentados” – ressalta.
Segundo o Instituto, “durante o processo de desapropriação é garantido o contraditório e a ampla defesa aos proprietários, tanto administrativamente quanto na esfera judicial, esta última com o acompanhamento do Ministério Público Federal (MPF) e a desapropriação é efetivada mediante decisão judicial”.
E continua: “Portanto, nos quase 15 anos que o processo se encontra na Justiça, os proprietários tiveram inúmeras oportunidades para demonstrar a produtividade da terra –caso da apresentação de recursos e da realização de perícia no imóvel, não sendo suficientes para convencer o judiciário que o imóvel no período fiscalizado cumpria sua função social” – enfatiza.
DESAPROPRIAÇÃO
De acordo com o Incra, grande parte das famílias residem em áreas que não serão alcançadas pela desapropriação que, até o momento, está definida para acontecer no dia 13 de fevereiro. “O único proprietário que se encontra na área a ser desapropriada solicitou o direito de permanecer no local, conforme estabelecido no artigo 20 da Lei Nº 8.629/93 –pedido este que foi acato pelo judiciário” – afirma.
O órgão aponta ainda que, sendo concretizada a desapropriação do imóvel, as famílias “serão devidamente indenizadas pelo valor de mercado”.
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