RAQUEL LOPES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Comando do Exército apresentou ao menos quatro justificativas diferentes para a revogação de três portarias que ajudariam no controle de arma e munições no país.
As explicações foram apresentadas após pedidos de esclarecimento do MPF (Ministério Público Federal), STF (Supremo Tribunal Federal) e TCU (Tribunal de Contas da União).
As três portarias -46, 60 e 61- foram editadas em março deste ano. No mês seguinte, as normas foram revogadas. Elas estabeleciam regras para rastreamento e identificação de armas de fogo e munições.
No dia 17 de abril, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publicou em rede social que havia determinado a revogação das portarias “por não se adequarem” às suas “diretrizes definidas em decretos”.
Para especialistas, os argumentos apresentados pelo Exército reforçam a versão de que a revogação das portarias foi uma atitude política em vez de técnica. Isso porque, além de diferentes, não justificam a medida.
O Exército, no dia 28 do mesmo mesmo mês, por meio da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados e do Comando Logístico (Colog), encaminhou ao MPF da Paraíba a justificativa de que as portarias haviam sido revogadas por haver questionamentos de ordem técnica e legal.
Esse fato teria demonstrado para o Exército a existência de “sérias dificuldades de interpretação”. Por causa disso, estavam sendo conduzidos novos estudos para promover o aprimoramento e ajustes técnicos e de redação das portarias.
No mesmo dia foi encaminhada justificativa também à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do MPF. O documento apontou que haviam surgido questionamentos e contrapontos levantados pela sociedade, especialmente nas mídias sociais, e pela administração pública.
Além disso, dizia que, por urgência, uma vez que as portarias entrariam em vigor no dia 4 de maio, o processo não fora documentado.
A justificava ao STF foi enviada em 27 de maio. Um dos argumentos era o de que havia erro na menção de uma portaria que regulamenta o Comando Logístico.
“A Portaria n° 60 faz menção a Portaria n° 395, do Comandante do Exército, de 2 de maio de 2017, que aprovava o Regulamento do Comando Logístico, como sendo a vigente para atribui competência ao Comando Logístico expedir o ato. Porém, tal Portaria foi revogada pela de n° 353, de 15 de março de 2019, que aprovou o vigente Regulamento do Comando Logístico”, diz.
Outra justificativa foi que teria faltado “a especificação ‘pessoa jurídica’ nas atividades descritas nas portarias 60 e 61”.
Já no mês de julho, o Exército apresentou uma quarta explicação, agora ao TCU. De acordo com o órgão, poderia haver uma incompatibilidade entre o Sisnar e o Sinesp, do Ministério da Justiça.
A portaria 46 instituiu o Sisnar (sistema de rastreamento de produtos controlados pelo Exército). Mas, de acordo com o Exército, a rastreabilidade é de responsabilidade do Sinesp, (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública).
Porém, pela norma editada pelo próprio Exército, os dados de produtos controlados fabricados, importados ou comercializados precisam ser lançados no Sisnar por todas as pessoas físicas e jurídicas.
Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, as diferentes respostas demonstram a falta de um embasamento técnico na tomada de decisão que gerou as revogações.
“É uma tentativa por parte do Exército de tentar justificar a posteriori e dar uma roupagem técnica a uma revogação que trouxe retrocessos e que foi política, para atender a alguns grupos privados”, afirmou.
“Isso mostra que a discussão hoje sobre o assunto é política, vindo de uma promessa de campanha, em vez de ser técnica”, disse ainda Ricardo.
Ivan Marques, advogado, analista de segurança pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também disse acreditar que houve pressão política para a revogação das portarias.
O que chama a atenção, em sua visão, é o fato de o Exército apontar que o responsável pela rastreabilidade seria o Sinesp, tentando passar a responsabilidade para outro órgão em vez de pensar em integrar os sistemas em benefício da segurança pública.
“Com essa justificativa dada ao TCU, o Exército demonstra um entendimento de que não é sua função ajudar na segurança pública. Isso não condiz com as necessidades do país e com a capacidade do Exército brasileiro”, disse Marques.
“Se qualquer órgão puder contribuir com a segurança, é algo que deveria ser prioridade, e não se esquivar.”
Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé, afirmou que, no Brasil, há um desafio grande de controlar as armas e as munições. Dessa forma, a revogação das portarias se mostrou um retrocesso.
“Olhando para as quatro respostas percebemos que há uma série de argumentos para tentar justificar a revogação, mas não conseguem expor de uma maneira convincente quais foram as razões que levaram à revogação de medidas que avançam no controle de armas e munições”, disse.
Em nota, o Ministério da Defesa afirmou que, em relação ao funcionamento e ao aprimoramento do sistema de fiscalização de produtos controlados, compete ao Exército elaborar normas em respeito à legislação em vigor, mediante consulta pública a todos os interessados.

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