Muito gentil e de fala mansa, o padre comboniano Ernesto Ascione recebeu a Rede TC com um largo sorriso na Casa Paroquial de Santo Antônio. Na entrevista, demonstrou vigor e sabedoria para transitar entre os variados assuntos, inclusive delineando sobre política nacional. Mas pediu para que os comentários sobre este tema não fossem publicados, alegando, pura e simplesmente, que “vivemos dias sombrios, perigosos”.

Foto: TC Digital

O padre Ernesto lembrou que chegou ao norte do Espírito Santo em 1969, permanecendo por cinco anos em Ecoporanga. Depois, foi enviado para São Gabriel da Palha. Em São Mateus, atuou por cinco anos como vigário da Paróquia da Catedral, com o inesquecível padre Guido Grilli. Foi enviado para missões na Paraíba, por mais cinco anos, e depois passou 20 anos em Brasília, quando recebeu o comunicado de que voltaria a São Mateus. Disse que quase não acreditou. “Agora, depois de 25 anos, me chamaram. Falaram: ‘Vá ajudar e se despedir da sua congregação’”.

Quando perguntado para onde será enviado, o padre Ernesto disse que depende da vontade do superior provincial. “Nosso superior foi um dos articuladores do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, em Roma. Ele foi o que articulou porque trabalhou muito no Nordeste. Então esteve ausente até agora, mas voltou e, numa próxima reunião, vamos saber o destino nosso. Estamos prontos para ir aonde formos chamados. Nem para a África, nem para a Itália, só o Brasil, porque já conhecemos o clima, a comida, o povo maravilhoso, espetacular”.

Rede TC de Comunicações – Quais os principais legados desta história missionária dos combonianos na Diocese de São Mateus?

Padre Ernesto Ascione – Nesta comunidade, nesta Diocese, uma coisa muito bonita que conseguimos realizar aqui foi uma bela liderança. Pessoas conscientes, de luta, comprometidas. É bonito! As pessoas são o maior legado, as lideranças, comprometidas, engajadas. Fazer crescer uma igreja local, com suas estruturas, presbíteros, padres, comunidades articuladas, os líderes formados. Missão cumprida. E nós temos Dom Aldo Gerna, que foi o nosso líder por mais de 30 anos, que nós adoramos. É uma pessoa de grande espiritualidade, de grande visão.

Rede TC – Qual o sentimento de retornar a São Mateus com a missão de entregar a última área pastoral comboniana no Brasil ao bispo diocesano?

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Padre Ernesto – Voltei para São Mateus com todo o prazer. Para mim foi até um sonho. Eu nunca pensava em voltar para São Mateus depois de tantos anos. Quando cheguei foi uma festa: ‘Padre, o senhor me batizou; o senhor me casou, abençoou minha casa’. É uma grande satisfação, o povo daqui é muito gentil, afetuoso, carinhoso. Nós, combonianos, ajudamos aonde precisa. Uma vez que a diocese está organizada, vamos adiante.

Rede TC – Qual é a principal característica da missão comboniana?

Padre Ernesto – Nossa missão não é tanto celebrar missas, também é celebrar, mas, durante a semana, como podem ver em meus artigos (publicados semanalmente na TC, por mais de um ano), é formação. Até agora, a Igreja noticia procissões, missas, horários, não forma o povo. Não dá uma formação, não ajuda o povo no intercaminhar da Igreja. Não mostra o que a Igreja pensa, luta, o que realiza. Então, eu, no meu pequeno, estou tentando, toda semana, escrever esses artigos. Por exemplo, eu falei da Irmã Dulce, do padre Ezequiel Ramin, padre comboniano assassinado em Rondônia. Meu artigo trata da comunidade profética missionária. O recado é ser profeta missionário, lutar pela justiça, não ficar somente dentro do templo, numa fé alienada. Deus te envia para resolver os problemas do povo, numa fé engajada. A fé é amor, mas antes a justiça. Justiça e caridade, direitos humanos, o estado democrático. Outra coisa importante é que fizemos a opção preferencial pelas categorias mais marginais e sobrantes da sociedade. Esse é o nosso espírito de vida: trabalhar, lutar, entre as categorias mais pobres, sobrantes, desprezadas pelos próprios governos. Temos um governo que só tirou direitos, trabalhistas, previdenciários, e agora, da educação. Estamos tentando sensibilizar as pessoas, mas sem ódio. A nossa espiritualidade é de Mahatma Gandhi. Ele pregava a não violência ativa. Perguntavam a ele: “Você vai cuidar de nós, somos pobres, vítimas”. E ele respondia: “Você é pobre, sim, mas você deve exigir os seus direitos, lutar pelos seus direitos. Porque se você não luta, você não merece que seus direitos sejam respeitados”. A nossa opção evangélica é pelos pobres porque Cristo, ao nascer, escolheu uma estrebaria, ao morrer escolheu estar no meio de dois ladrões. Cristo fez uma opção pelos pobres. Ele poderia nascer entre os ricos, na mansão do imperador de Roma, no Templo de Jerusalém, no meio dos sacerdotes que tinham muito dinheiro, dos doutores da lei, nas pirâmides do Egito, ou poderia nascer em Atenas, no meio dos filósofos. Mas, não, ele quis nascer numa estrebaria. Não foi um destino ele nascer lá, não. Foi uma opção, ele é Deus, ele optou, escolheu entrar na categoria dos pobres. Não pelos pobres e contra o rico, não, absolutamente não. Ele fez uma opção pessoal pela pobreza, desapego, amor àquele que Cristo amou. Ele preferiu os milagres serem feitos aos leprosos, aos cegos, pelas categorias naquele tempo consideradas impuras, massas sobrantes. Como aqui no meio de nós, os negros, os índios: massa sobrante. Mas essa é a nossa preferência. Não é nada de ódio contra os ricos, é uma opção pessoal e da comunidade nossa. É lutar pelos direitos humanos, o estado democrático. Porque é no estado democrático que se realiza essa igualdade, liberdade, fraternidade. Não num estado ditatorial, ou num estado anárquico.

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Rede TC – Como avalia o papado de Francisco?

Padre Ernesto – Somos totalmente a favor. O Papa Francisco, na Igreja, está colocando algo de grande, que é exatamente ligar a fé com a vida do povo. A primeira viagem que o Papa fez foi ir à Lampedusa [ilha no sul da Itália, no Mar Mediterrâneo], que está perto da África. Lá ele fez uma coisa que me emociona: lançou uma coroa de flores ao mar onde 50 mil refugiados que procuravam chegar à Europa tinham morrido afogados. O que fez ele: pegou um barco e lançou uma coroa de flores em homenagem a eles. Foi a primeira coisa que o Papa fez demonstrando que estava colocando a vida dele pelos pobres, pelas categorias sobrantes, dos povos do terceiro mundo, os escravos, que sofrem guerra, perseguições. Então o respeito para eles. Até então ninguém pensava nisso. Antes pensavam na doutrina, na ortodoxia. Agora o que vale é a ortopraxia, isto é: o agir conforme a vontade de Deus. O que é isso: é ajudar o outro, o carente. Porque as pessoas até desprezam o pobre, o lascado, o índio, o negro, dizendo que são todos ladrões, corruptos. Não! Não é assim não. Tem toda uma riqueza cultural. É diferente da nossa, mas completa a nossa cultura, nossa civilização. Então o Papa entende. No ecumenismo ele diz que o Evangelho é plural. Cada comunidade cristã, evangélica, católica, ortodoxa, pode olhar à maneira dela. E devem ser respeitadas. O Papa não quer que os protestantes se tornem católicos, ou que os católicos se tornem protestantes, mas se tornem igrejas. Ele chama isso de reconciliação das diferenças, ou, melhor ainda, Evangelho plural.

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Rede TC – Como o senhor vê o rumo da Igreja Católica no mundo?

Padre Ernesto – A Igreja Católica, para mim, é uma grande esperança. Vemos o Papa que organiza este sínodo sobre a Amazônia. Quem é que tem essa coragem de enfrentar contradições, oposições, inimizades, e o Papa tem coragem. E precisamos falar disso porque lá tem 30 milhões de índios que estão sendo dizimados, sendo destruídos por políticas que querem somente fazer avançar o latifúndio.

Rede TC – Como está o processo para beatificação do mártir comboniano Ezequiel Ramin, que inclusive esteve em São Mateus?

Padre Ernesto – Está em processo. O padre Ezequiel Ramin é exemplo de como se trabalha pelos pobres. Indo ao encontro de posseiros, ele levou mais de 50 tiros em Rondônia, em 1985. Estamos trabalhando pela beatificação deste jovem de 32 anos que abdicou da vida pelos pobres.

Rede TC – Qual mensagem que deixa para os católicos da Diocese de São Mateus, gratos pelo trabalho e o legado dos padres combonianos no norte capixaba?

Padre Ernesto – Amem esta Igreja, a melhor das igrejas. É uma Igreja muito bem formada, com um tesouro muito precioso, que são as joias de pessoas. Vamos embora, mas deixaremos o nosso legado de presente.

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