MARINA DIAS
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – “Você está dirigindo em uma longa estrada. Está tudo bem e, de repente, você bate e fica preso no escuro, sem poder voltar. Não há para onde ir a não ser em frente, mas você não consegue ver o fim da estrada.”
A sensação de impotência invadiu o britânico Timothy Cole no dia 7 de março, quando ele recebeu o diagnóstico de que havia sido infectado pela Covid-19, tornando-se assim o primeiro caso confirmado em Washington.

Foto: Reprodução

Aos 59 anos, o reverendo da igreja protestante Christ Church Georgetown, umas das mais tradicionais da capital dos EUA, achou que estava com gripe ao voltar de uma viagem de trabalho.
Descansou e retornou aos serviços que incluíram dar comunhão no primeiro domingo de março. Contaminou pelo menos outras seis pessoas. Quatro dias depois, ele desmaiou e foi levado ao hospital da Universidade Georgetown, onde ficou internado por 21 dias.
Ele saiu da UTI e voltou para casa no último dia 28. Ainda se ressente de ver sua igreja fechada pela primeira vez desde o século 19, mas diz que é preciso colocar “a vida e a saúde das pessoas antes daquilo que gostávamos de fazer como comunidade”.

Foto: Reprodução

PERGUNTA – Como o sr. foi infectado?
TIMOTHY COLE – Parece que peguei o vírus em uma conferência em Louisville, no Kentucky, no fim de fevereiro. Voltei para Washington me sentindo bem, mas, um dia e meio depois, senti como se estivesse gripado, com tremores, febre e dor de garganta.
Fiquei de repouso por três dias, até me sentir melhor, e voltei ao trabalho no domingo, 1º de março. Na quarta-feira, comecei a me sentir mal de novo e, na quinta, desmaiei e fui levado ao hospital. Fiquei lá por 12 horas até fazerem o teste e, para minha surpresa, descobri que estava com coronavírus.

P – Em que momento os médicos decidiram fazer o teste?
TC – Minha respiração não estava boa, eu me sentia muito fraco. No hospital, descartaram com exames outras doenças e decidiram que eu deveria ficar por lá. Minha mulher, Lorraine, perguntou se não iriam fazer o teste.

P – O sr. foi o primeiro caso confirmado em Washington. Ficou assustado?
TC – Foi um choque, não era algo que eu esperava que fosse acontecer. Mas é como a vida acontece, não? Você está dirigindo ao longo de uma grande estrada. Está tudo bem e, de repente, você bate e fica preso no escuro, sem poder voltar. Não há para onde ir a não ser em frente, mas você não consegue ver o fim da estrada. Foi mais ou menos assim. De repente, estava restrito num hospital. Foi assustador.

P – Qual foi sua rotina e tratamento no hospital?
TC – Fiquei em isolamento total. Então melhorei, fiz dois testes que deram negativo, mas um deles estava parcialmente positivo, então os médicos não tinham certeza se eu ainda estava com o vírus.
Aí piorei um pouco, e os médicos não entendiam alguns números. Minha experiência é provavelmente pouco comum. Por duas ou três vezes disseram para a minha família que eu teria alta, mas eu piorava, e ia ficando.

P – Qual foi o principal desafio nesse período?
TC – Você percebe nesses momentos o quão impotente você é. Você não tem controle sobre nada, mas pode tentar ter sobre pequenas coisas. Então tentei fazer minhas orações todos os dias e, quando tinha forças, levantava, fazia a barba, tomava banho e andava no quarto para tentar fazer algum exercício. Conversava com minha família por FaceTime e, quando me sentia muito mal, trocava só mensagem de texto mesmo.

P – O sr. voltou para casa, mas ainda segue em quarentena por 14 dias, e a igreja está fechada pelas regras. O sr. concorda com elas?
TC – Sim. Essas regras de ficar em casa, todas elas, parecem estar ajudando. É duro para as pessoas, para a sociedade. As pessoas têm medo da doença, de perder o sustento, de perder tudo o que planejaram. Tem muito medo lá fora.

P -No Brasil, o presidente Bolsonaro incluiu igrejas nas atividades consideradas essenciais, permitindo que elas fiquem abertas. O sr. concorda?
TC – É muito triste para a nossa igreja [estar fechada]. É a primeira vez que ela está fechada [desde um incêndio no século 19], e claro que estou muito triste com isso. Mas é certo ser cauteloso e colocar a vida e a saúde das pessoas antes daquilo que gostávamos de fazer como comunidade.

P – Seis pessoas da sua igreja foram infectadas. O sr. transmitiu para elas?
TC – Sim. Quer dizer, é possível. Foi o organista, o maestro e outros quatro paroquianos. Mas, felizmente, eles não foram para o hospital, ficaram em casa e se recuperaram. Estão todos bem.

P – Qual foi a coisa mais importante que o senhor aprendeu nesse período?
TC – Ver como a comunidade da qual faço parte reagiu. Pessoas se colocando em quarentena, cuidando umas das outras, formando novas conexões de carinho e de cuidado. Vamos ficar mais fortes.

P – Na sua vida, essa experiência mudou o quê?
TC – Estamos prestes a entrar na Páscoa, e vemos como a vida pode ser esmagada e transformada em um lugar escuro e estreito. Depois, você tem esse longo período de espera, em que nada acontece e você espera o seu renascimento e uma nova vida no último dia. Vejo isso nesta experiência que acabei de ter.
E acho que, de certa forma, é a experiência que todo mundo está tendo. Há tristezas e perdas profundas. Pessoas morrendo e ficando doentes. Há um lugar muito escuro lá fora, mas também há uma porta de entrada, um novo começo, uma nova vida para nossas comunidades.

Timothy Cole, 59
Formado nas Universidades de Aberdeen, Edimburgo e Cardiff, no Reino Unido, e foi ordenado na Igreja Episcopal Escocesa. É reverendo da Christ Church Georgetown desde setembro de 2016. Serviu como capelão do Exército britânico por 20 anos, em países como Bósnia, Serra Leoa, Iraque e Afeganistão

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