ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Nada garante que seja possível encontrar uma vacina para o coronavírus, diz o virologista e epidemiologista belga Marc Van Ranst, mas, mesmo que os cientistas cheguem a ela, as dificuldades estarão só começando.
Responsável pela política de combate à influenza da Bélgica e membro do grupo que orienta as medidas contra o coronavírus, Ranst, 54, afirmou disse também nesta sexta (15) que, apesar da pressão de alguns governos para garantir primeiro suas doses, os laboratórios devem colaborar para uma distribuição mais ampla.
“As companhias sabem que precisam fazer negócios depois da pandemia. Os amigos que você fizer durante a pandemia serão seus amigos depois. Se mostrar o dedo do meio para alguns países, eles não esquecerão disso depois”, disse ele em entrevista ao vivo pela internet, organizada pelo centro de estudos independente Friends of Europe.
Para Ranst, os que criticam os danos econômicos dos confinamentos “não veem o desastre que seria um crescimento exponencial da doença, com um dano à economia muito maior”. Mas, segundo ele, quem está em política pública precisa saber que ao final sempre será criticado. “Não há como ganhar essa guerra. No final, ou diriam que fizemos pouco e deixamos muitos morrerem, ou dirão que nos preparamos demais e jogamos dinheiro fora. Nunca não achar que foi na proporção certa.”
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Quem pega primeiro as vacinas
“É claro que todos os países gostariam de receber as primeiras doses assim que estiverem disponíveis, mas isso seria um desastre, não interessa às indústrias e, no começo, não haverá produção suficiente. O mais provável é que as primeiras levas sejam para os grupos de maior risco, os idosos, os que têm doenças específicas, os trabalhadores de saúde.
Também deve funcionar um sistema que já existe hoje, em que os países ricos pagam um pouco mais para que os mais pobres paguem menos.
As companhias sabem que precisam fazer negócios depois da pandemia. Os amigos que você fizer durante a pandemia serão seus amigos depois. Se mostrar o dedo do meio para alguns países, eles não esquecerão disso depois.”

Prazo para as vacinas
“Nas próximas semanas vamos começar a ouvir de sucesso em testes com animais, depois passaremos aos testes com pessoas, vamos infectá-las com o vírus e ver se funcionam. E precisaremos ter um grupo de controle [que recebe o placebo em vez da vacina], para ver que diferença faz a vacina, e para isso temos que ter certeza de que temos os tratamentos para os que ficarem doentes. Não vai acontecer em duas semanas.
Desenhar a pesquisa é fácil, testar em animais é fácil e logo aparecerão resultados positivos. Grande parte delas será segura em pessoas. E aí virá a parte mais difícil: fazer 7 bilhões de doses, 14 bilhões de doses. Podem ser necessárias duas doses para imunizar.
Nem tudo vai estar pronto para todo mundo, e isso vai criar todo tipo de problema político e diplomático.”

Meu país primeiro
“Houve um movimento para proteger meu país primeiro durante a pandemia, porque todos foram pegos de surpresa, e tentaram pegar qualquer máscara que estivesse à mão. Fizeram negócios com fornecedores problemáticos, o resultado não foi bom.
Se uma vacina ficasse pronta amanhã, provavelmente aconteceria o mesmo. Mas, como ainda está a muitos meses, há tempo para negociar uma solução pela qual todos os interesses possam ser atendidos.”

Vacina obrigatória?
“Não acho que obrigar funcione, e tudo o que os lobbies antivacina querem é que os governos obriguem as pessoas. Não devemos dar isso a eles.
O governo deve fazer tudo o que puder para convencer as pessoas, mas não em público. Há maneiras melhores de incentivar comportamentos hoje, formas muito mais eficazes de convencer as pessoas a se vacinarem.”

Pressão social
“O confinamentos foram uma das maiores restrições à liberdade da história, era possível fazer mais coisas durante a Segunda Guerra que agora. Ainda assim, houve quem tentasse romper as regras, mas a pressão social funcionou.
No caso da influenza, que conhecemos há anos e para a qual temos vacinas, só uma parte da população se previne. Seria bom que todos tomassem, mas não precisa ser 100%. Se for 65% já estará bom. E é preciso explicar para as pessoas que elas se vacinam não só por elas mas pela segurança dos outros também.”

Lições das epidemias de gripe
“Este vírus é diferente. Os primeiros sintomas são parecidos e há grupos vulneráveis semelhantes, com a grande diferença das crianças. Ainda não sabemos para onde vai esta pandemia.
Até agora, morreram 300 mil pessoas de Covid-19, mas, todos os anos, morrem entre 250 mil e 500 mil de gripe. O corona vai chegar lá, mas nunca será tão mortal. Influenza é algo muito sério, deveríamos ser mais claros sobre isso.”

Saúde x economia
“Não há como ganhar essa guerra. No final, ou diriam que fizemos pouco e deixamos muitos morrerem, ou dirão que nos preparamos demais e jogamos dinheiro fora. Nunca não achar que foi na proporção certa.
Falam dos danos à economia, mas não pensam no que aconteceria se não houvesse as restrições. Não veem o desastre que seria um crescimento exponencial da doença. O dano à economia seria muito maior. Mas quem está em política pública precisa saber que ao final sempre será criticado.”

Aqui para ficar
“Provavelmente será intermediária entre a da gripe, que é preciso tomar todo ano, e as que resolvem em um tiro só. Ainda não sabemos tudo, mas a mutação do coronavírus parece ser menor que a da influenza, mas depois de algumas estações a imunidade deve cair. Existe uma chance de a doença desaparecer, mas ela é muito pequena. Aconteceu com a Sars depois de 2003, mas o foco eram a China e o Canadá. A Covid-19 é muito mais contagiosa, pandêmica, está no hemisfério norte e sul ao mesmo tempo e, quando isso acontece, a chance de ela simplesmente sumir é menor.”

Passaporte de imunidade
“Não vai acontecer, e seria um desastre. Levaria a todo tipo de comportamento bizarro, duas classes de pessoas, falsificações, gente se infectando de propósito. E, depois de uma estação, já não se saberia mais quem tem anticorpos e quem não tem.”

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