FERNANDA CANOFRE E CARLOS PETROCILO
BELO HORIZONTE, MG, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em plena pandemia da Covid-19, conselheiros do Cruzeiro foram nesta quinta (21) até a sede do clube, em Belo Horizonte, com o objetivo de eleger um presidente para os próximos sete meses. A agremiação estava sem um mandatário desde dezembro, quando Wagner Pires de Sá renunciou ao cargo.

O advogado Sérgio Santos Rodrigues foi o vencedor em um pleito tratado internamente como o mais importante da história cruzeirense, apesar do mandato curto, até 31 de dezembro –em outubro ou novembro deverá ocorrer nova eleição para o triênio 2021-2023.

A pior crise dos 99 anos do clube, que o levou ao rebaixamento inédito para a Série B do Campeonato Brasileiro em 2019, também tornou o Cruzeiro alvo de investigações na Polícia Civil e no Ministério Público de Minas Gerais. As entidades apuram desvios de recursos, falsidade ideológica e falsificação de documentos ocorridos em 2018 e 2019.

Sob clima tenso, torcedores acompanharam de perto a entrada e saída dos conselheiros no bairro Barro Preto. Dos 424 com direito a voto, 351 o exerceram, sendo que 29 só puderam participar graças a liminares obtidas na Justiça.

Entre eles, Sérgio Nonato, ex-diretor geral na gestão de Wagner, que esteve no local com escolta da Polícia Militar e saiu ouvindo ameaças e xingamentos. O ex-presidente Zezé Perrella também foi hostilizado.

A missão de Rodrigues nos próximos meses será complexa. O clube vive momento de penúria financeira, com um passivo acima de R$ 800 milhões e baixa expectativa para captar receitas.

Ao assumir, a nova administração irá enfrentar, logo de cara, dívidas de R$ 610 milhões com fornecedores, empréstimos e financiamentos bancários, além de obrigações sociais e trabalhistas. Esse montante deverá ser quitado até o final deste ano.

Outras cobranças, porém, já batem à porta ou a atravessaram. A Fifa deu prazo para o Cruzeiro pagar R$ 11 milhões ao clube ucraniano Zorya, referente à contratação do atacante Willian em 2014, até o dia 29 deste mês, sob pena de perder mais seis pontos na Série B.

O time já deverá começar a segunda divisão nacional com seis pontos a menos por conta de um débito de R$ 5 milhões com o Al Wahda, dos Emirados Árabes, pelo empréstimo de seis meses do volante Denílson. A punição foi estabelecida pela Fifa e não está claro se poderá ser revertida.

Ainda que o Cruzeiro estivesse na elite do futebol, o grau de endividamento e a falta de recursos, além da crise diante da pandemia, que deixou o clube sem a renda de jogos, já tornariam a situação dramática.

“No ponto de vista empresarial, independentemente da marca e de ser futebol, qualquer outra operação não teria reversão”, afirma Alexandre Rangel, sócio e líder da área de esportes da EY. “Para recuperar o clube, somente com investimento de alguém de fora, mas nesse cenário, e com a pandemia, é improvável. O caminho pode ser a descontinuação das atividades.”

Na gestão de Wagner Pires de Sá, o clube atingiu o maior déficit da sua história: encerrou o exercício de 2019 com um déficit de R$ 394 milhões, de longe o maior prejuízo entre as equipes brasileiras. O Corinthians, em segundo nessa lista, teve déficit de R$ 177 milhões no período.

Outro desafio da nova gestão será se defender para não perder as vantagens do refinanciamento do Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), que entrou em vigor em 2015 e ofereceu aos clubes a possibilidade de parcelar suas dívidas com o governo em até 240 meses (20 anos), com descontos de 70% das multas e 40% dos juros, além de isentar os encargos legais.

Em contrapartida, os times devem manter em dia suas obrigações tributárias federais e trabalhistas; dar transparência e publicar seus balancetes; comprovar a existência de um conselho fiscal atuante e autônomo (formado por membros eleitos e alheio à diretoria executiva).

O Cruzeiro admite, em seu balanço, que não cumpre tais exigências. Por isso, no final de 2019, foi comunicado pela Autoridade Pública de Governança do Futebol (Apfut), que fiscaliza o programa, da sua exclusão por falta de pagamento de quatro parcelas referentes aos vencimentos em junho, julho, agosto e setembro. Sem os descontos dos juros e multas, o refinanciamento do clube teria acréscimo de R$ 40 milhões.

A diretoria apresentou recurso administrativo para reverter a decisão, ressaltando que foram encomendados diversos estudos para corrigir a sua situação deficitária com o objetivo de regularizá-la. A Apfut ainda não concluiu o julgamento.

Na segunda (18), o Cruzeiro entregou à Promotoria de Minas Gerais um relatório de 300 páginas elaborado pela consultoria Kroll, com base em documentos, transações financeiras e comunicações eletrônicas, que deve auxiliar nas investigações.

Entre as irregularidades identificadas, segundo a síntese do relatório, estão: pagamentos de R$ 8,5 milhões a empresas vinculadas a dirigentes e familiares; pagamentos de notas de débito a dirigentes que somam mais de R$ 1,5 milhão, sem explicação da natureza do gasto; R$2,1 milhões com empresas de consultoria jurídica, tributária e de engenharia, sem comprovação de serviço prestado; e R$ 6,06 milhões pagos a empresas vinculadas a 52 conselheiros, o que é vedado pelo estatuto.

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