PAULO BATISTELLA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quatro meses após o conclave de 2013, o presidente do Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, anunciou ter uma notícia em primeira mão sobre o recém-eleito papa Francisco, fã de futebol e torcedor do San Lorenzo (ARG).
O pontífice visitaria o estádio do Dragão, dos portistas, numa eventual ida a Portugal. “Para ver onde Jesus se ajoelhou”, disse o cartola, em julho daquele ano. O anúncio se tratava, no entanto, de uma piada –em sátira não a Cristo, mas a outro Jesus, o Jorge, hoje técnico do Flamengo.
Dois meses antes, Jorge Jesus protagonizava o noticiário esportivo com chances de levar o clube mais popular de um país a um título nacional e outro continental em menos de uma semana –o que se repete agora, quando pode vencer a Copa Libertadores e o Campeonato Brasileiro num período de dois dias.
Naquela ocasião, em maio de 2013, no entanto, o então treinador do Benfica viu tudo dar errado.
O time de Jesus chegou à reta final daquela temporada, iniciada na metade de 2012, como líder da Primeira Liga, campeonato português equivalente ao Brasileiro, no qual concentrava expectativas, e finalista da Liga Europa –de volta a uma decisão europeia depois de 23 anos.
Ao final de abril, o Benfica foi à Ilha da Madeira, onde venceu o Marítimo por 2 a 1 pela liga portuguesa, em jogo truncado, com gol contra do adversário no segundo tempo. Era a nona vitória consecutiva, a três rodadas do fim.
Agora, o Benfica ainda visitaria o Porto, então vice-líder e a quatro pontos, mas, para levantar a taça, só precisaria vencer os outros dois jogos que teria intercalados, ambos em casa, contra o quinto colocado Estoril e o vice-lanterna Moreirense, que já haviam sido batidos no primeiro turno.
Invictos na liga, os comandados de Jesus vinham embalados por 11 vitórias seguidas no estádio da Luz.
As três mais recentes eram um 5 a 0 contra o Gil Vicente, um 6 a 1 diante do Rio Ave e um 2 a 0 em clássico com o Sporting. Empates em casa só haviam ocorrido duas vezes, contra o Braga, na longínqua primeira rodada, e frente ao Porto.
O título, então, parecia encaminhado. Ainda na Madeira, no gramado, Jesus e seus atletas comemoraram efusivamente. Horas depois, a delegação foi recebida com festa no desembarque em Lisboa, sob gritos de “o campeão voltou”.
Os benfiquistas mais empolgados penduraram faixas de “reservado 33” na praça Marquês de Pombal, tradicional palco de celebrações de torcedores lisboetas, em alusão à festa que já estaria reservada para ocorrer ali diante da iminente 33ª conquista do título nacional.
“Já há festa de campeão”, registrou o Record, jornal esportivo de maior tiragem em Portugal, em sua manchete no dia seguinte. “A sensação geral no país era mesmo de que o Benfica seria campeão”, relembrou Rafael Soares, jornalista do diário português, em conversa com a Folha.
O Benfica, então, recebeu o Estoril sob olhares de 60.897 torcedores. Após desperdiçar chances claras, com direito a bola na trave, o time da casa viu o adversário abrir o placar em lance improvável na etapa final, em falha de seu goleiro –só restou tempo para empatar em 1 a 1.
Dois dias antes, o Porto havia vencido seu compromisso na rodada e agora estava a apenas dois pontos do arquirrival. Antes irrelevante para os benfiquistas, o clássico no Dragão ganhou aura de jogo do título, o que Jesus tratou de minimizar.
“Não estou a ver onde é que este jogo pode ser influente na minha carreira. […] É tão importante quanto o jogo frente ao Estoril”, disse na véspera.
No estádio portista, em 11 de maio, o líder se impôs já aos 19min, com gol do brasileiro Lima. Pouco depois, no entanto, os benfiquistas cederam empate com tento contra. Perto do apito final, a igualdade persistia no placar, e os portistas mais descrentes já deixavam o estádio.
Até que quem permaneceu ali testemunhou o famoso “minuto 92” –no modelo europeu de contagem, o segundo minuto dos acréscimos da etapa final.
Em tabela rápida com Liedson, o também brasileiro Kelvin, ambos colocados em campo pelo Porto apenas no segundo tempo, dominou com a perna direita ao receber no bico esquerdo da grande área e, no quique da bola, mandou um chute cruzado de canhota: gol que dava a liderança e, provavelmente, o título.
A transmissão televisiva mostra, imediatamente após a bola invadir a meta benfiquista, um Jorge Jesus desolado que cai de joelhos no gramado do Dragão sob uma explosão da torcida adversária. A imagem icônica rendeu a piada de Pinto da Costa, que tem relação amistosa com o técnico, e segue lembrada pelos portistas –e também benfiquistas.
Meses depois, o próprio Jesus disse ter sido aquele o momento mais duro de sua carreira em entrevista ao jornal francês L’Équipe.
Ainda hoje, o vídeo do gol é o mais popular no canal oficial do Porto no YouTube, com 1,9 milhão de visualizações. No museu do clube, há o “espaço K”, dedicado exclusivamente a reproduzir a cena em looping. Kelvin, hoje no Coritiba, imortalizou o lance à sua maneira, com uma tatuagem do “92” no antebraço.
Quatro dias depois, o então abalado Benfica foi a Amsterdã decidir a Liga Europa contra o Chelsea (ING). Perdeu –novamente por 2 a 1 e com gol do adversário nos acréscimos da etapa final. No fim de semana seguinte, viu o Porto vencer seu último compromisso pela liga portuguesa e confirmar o título.
Já no fim de maio, restava ao menos uma provável consolação para Jorge Jesus com a final da Taça de Portugal, que seria disputada com o modesto Vitória de Guimarães, vencido com folga pelo Benfica por duas vezes naquela temporada.
A equipe lisboeta abriu o placar ainda no primeiro tempo e via a conquista encaminhada. Num intervalo de três minutos, no entanto, a dez do apito final, levou a virada. Substituído pouco antes, o paraguaio Óscar Cardozo empurrou Jesus no gramado, culpando o técnico pelo fracasso –o jogador se desculpou posteriormente.
Completos quatro anos no Benfica, o treinador, que havia visto o Porto ser tricampeão português nas últimas três temporadas, chegou a ser hostilizado por torcedores benfiquistas e tinha sua renovação de contrato sob dúvida.
O presidente do clube, Luís Filipe Vieira, no entanto, decidiu bancá-lo –decisão que se mostrou acertada. Nas duas temporadas seguintes, Jorge Jesus enfileirou seis taças, incluindo um bicampeonato português. Ainda levou o Benfica à final da Liga Europa em 2014, na qual perdeu para o Sevilla (ESP) nos pênaltis.
Agora no Flamengo, o treinador decidirá a Libertadores neste sábado (23), em confronto com o River Plate (ARG), a partir das 17h (de Brasília), em Lima, capital do Peru. Se ganhar, poderá emendar a festa no dia seguinte com o título brasileiro caso o vice-líder Palmeiras não vença o Grêmio em jogo às 16h do domingo (24).