FABIANO MAISONNAVE
ASSIS BRASIL, AC (FOLHAPRESS) – No gabinete, o prefeito Antonio de Souza (PSDB), o Zum, se exaspera enquanto assessores relatam críticas e notícias falsas sobre o acolhimento humanitário de imigrantes. Com a fronteira Brasil-Peru fechada há duas semanas, já são centenas os que esperam a reabertura para retomar uma longa viagem até os Estados Unidos.
“Quem seria o prefeito que, nas condições desta cidade, estaria preservando esse pessoal aqui?”, diz Zum, ao saber de um boato espalhado nas redes sociais de que ele rejeitou ajuda de Brasília para levá-los embora. “Aí dá vontade de mandar tomar no rabo, desculpa a expressão.”
Localizada no extremo oeste do país, a pequena Assis Brasil (a 340 km de Rio Branco) contabiliza 244 imigrantes abrigados em duas escolas, além de outros hospedados em hotéis e uma família abrigada pela Igreja Católica. A estimativa é que 300 estejam retidos na cidade.

Foto: Reprodução

A grande maioria é de haitianos, mas há mauritanos, senegaleses, venezuelanos e até um paquistanês. Há 58 crianças, muitas delas brasileiras filhas de haitianos, e 9 grávidas, das quais 2 estão no final da gestação.
As cem cestas básicas enviadas pelo governo estadual estão chegando ao fim, obrigando a prefeitura a usar recursos próprios. “Ontem, já comprei um boi inteiro, mandei fatiar todinho. Hoje, já deve ser essa carne.”
A notícia do boi virou prato cheio para a oposição. Nas redes sociais, a vereadora petista Ivelina Araujo criticou tanto a compra quanto o uso das escolas. “O que estou vendo é muita gente do nosso município passando por necessidade de não ter o que comer e não vi nenhuma ação da prefeitura sobre isso”, escreveu.
“Como tenho pobres aqui, passando necessidade, vou deixar esses aqui morrer, chegaram agora, não são da cidade, vou deixar morrer aqui? Não posso fazer isso!”, diz Zum, cujo apelido vem tanto do passado de corredor quanto do costume de andar a passos rápidos.
Nos últimos dias, o prefeito pediu várias vezes ajuda a cinco parlamentares e ao governador Gladson Cameli (PP). “Estou pedindo pra retirar, não tenho como dar suporte a esse pessoal, eu tenho todos os áudios que estou mandando. Retire, retire esse pessoal daqui.”
Outra medida tem sido impedir que os imigrantes cheguem até Assis Brasil. A pedido da prefeitura, os ônibus que partem da rodoviária de Rio Branco não estão vendendo passagens a estrangeiros. Dois táxis com haitianos foram obrigados pela polícia a dar meia volta ao chegar à cidade.
“É um contraponto à nossa Constituição tirar o direito de ir e vir das pessoas, a gente sabe disso”, admite o prefeito. “Mas o momento pede que a gente faça esse tipo de injustiça. É a forma que a gente tem para as pessoas não irem se represando mais aqui dentro.”
Mesmo com essa estratégia, o número continua aumentando. Alguns taxistas conseguem driblar a fiscalização policial, e outros procuram o abrigo após gastar todo o dinheiro com hospedagem e comida.
Assis Brasil tem uma população de cerca de 7.500 pessoas, segundo o IBGE, mas a prefeitura afirma que o número correto gira em torno de 13 mil habitantes. Assim como as demais cidades acreanas, apenas o comércio essencial, como mercados, está autorizado a abrir. O pequeno centro da cidade está às moscas.
Para atender os imigrantes, a prefeitura está usando três escolas, que estão com as aulas suspensas. Duas servem de abrigo e uma terceira serve de cozinha –os funcionários municipais preparam cerca de 750 refeições por dia.
Por iniciativa do Peru, a fronteira está fechada desde 15 de março. Nesta quinta-feira (26), o presidente, Martín Vizcarra, estendeu a medida até pelo menos 13 de abril. Na ponte binacional, militares de ambos os países asseguravam o bloqueio usando máscaras descartáveis.
Procurado pela Folha de S.Paulo, o governo do Acre informou que, além das cestas básicas, enviou 250 colchões e deve despachar fraldas nos próximos dias. Além disso, pediu ajuda financeira ao Ministério da Cidadania para que os imigrantes possam voltar aos países de origem.
“Mesmo figurando um estado pobre, com dependência de mais de 70% de repasses da esfera federal, o Acre não se furta em ajudar irmãos e contribuir com sua estada. Mas cabe também ao município auxiliar tais imigrantes buscando recursos emergenciais”, diz nota assinada pela secretária de Assistência Social, Claire Cameli, que é prima do governador acreano.
Rumo aos Estados Unidos Após o terremoto de 2010, os haitianos usavam essa fronteira para chegar ao Brasil. Com a crise econômica, a direção da rota se inverteu, e desde 2017, alguns milhares deles deixam o país por ali.
Após chegar ao Acre de avião vindo de várias partes do Brasil, eles fazem uma longa e perigosa viagem por dez países, que pode chegar a três meses. Do Peru, sempre por terra, atravessam Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras e Guatemala até chegarem ao México. Ali, esperam uma oportunidade para cruzar ilegalmente para os Estados Unidos.
Esse é o plano do haitiano Aloguy Jacques, 39, que está em um dos abrigos acompanhado da mulher e da filha de 11 anos. Há quatro anos no Brasil, ele morava em Jundiaí (SP), onde trabalhava dirigindo uma empilhadeira.
“Em agosto, mandaram todo mundo embora. Não consegui pagar aluguel e comida”, afirma Jacques, que vendeu tudo o que tinha e conta com a ajuda de uma irmã nos Estados Unidos para financiar a viagem.
Com o mesmo sonho americano, o pedreiro paquistanês Gul Sarwar, 39, também espera a reabertura da fronteira para prosseguir viagem. Misturando português e inglês precários, diz que está há um ano e quatro meses no Brasil.
Da minoria pashtun, Sarwar diz ter sofrido perseguição por parte do Exército paquistanês. Veio para o Brasil porque foi o primeiro país a dar o visto como solicitante de refúgio.
No país, morava em Lajeado (RS) junto com outros paquistaneses. A ideia era trazer a família depois de se estabilizar, mas ele só conseguia trabalhos ocasionais. Para piorar, não obteve o status definitivo de refugido.
“O Conare (Comitê Nacional de Refugiados) não responde. Eu ligo, e eles só falam ‘processo, processo, processo’.”

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