MATHEUS TEIXEIRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou nesta quarta-feira (19) para suspender a produção de relatório pelo governo federal sobre a “vida e escolhas pessoais e políticas” de opositores que ajam dentro da lei.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, por sua vez, defendeu a rejeição da ação e disse que o material produzido pelo governo está dentro das normas que regem a atividade de inteligência do Estado.

O julgamento será retomado na quinta-feira (20). Em um voto enfático, a ministra destacou a importância de o Supremo discutir o assunto e afirmou que, se não houve atuação irregular como alega o governo, “fica ao menos estranho alguém ter instaurado sindicância” para apurar o tema.

A ministra votou para suspender o trabalho do Ministério da Justiça na produção de material que reúna informações do “movimento antifascista” ou sobre qualquer outro cidadão que atue dentro da legalidade no exercício do direito de se expressar e se associar em grupo.

A ministra também ressaltou que a produção de relatórios sobre a vida pessoal dos cidadãos pelo Estado não é novidade no Brasil e lamentou ter “que voltar a este assunto quando se acreditava que era apenas uma fase mais negra de nossa história”, em referência ao regime militar.

Em uma indireta ao ministro da Justiça, André Mendonça, Cármen começou o voto respondendo as afirmações sobre o fato de o trabalho de inteligência do Ministério da Justiça existir desde 2011, quando foi criada uma secretaria para a segurança da Copa e das Olimpíadas.

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“Apenas para enfatizar que qualquer autoridade que afirme ‘isso já era de conhecimento, vinha de muito tempo’: o ministro da Justiça diz nos autos, escreveu, assinou e encaminhou que só teve conhecimento de possível existência do relatório pela imprensa”, disse.

Ela aproveitou para elogiar o trabalho da imprensa: “Benza Deus a imprensa livre do meu país, benza Deus que temos ainda Judiciário que tem conhecimento disso e que dá importância devida para garantia da democracia no sentido de a gente verificar do que se trata, do que é e qual a resposta constitucional a ser dada”.

Em mais uma indireta a Aras, a ministra Cármen Lúcia destacou a importância de a Constituição de 1988 ter permitido que entidades da sociedade civil apresentem ações constitucionais ao Supremo. Antes disso, apenas a PGR poderia fazer isso.

“Se tivesse havido apenas legitimação da Procuradoria-Geral da República, como ele acabou de dizer, nem estaríamos a discutir esse assunto”, disse.

Cármen Lúcia também rebateu as afirmações do governo e da PGR de que a ação não deveria ter seguimento no STF porque foi baseada apenas em reportagem jornalística.

Segundo ela, o argumento não faz sentido porque em nenhum momento o Ministério da Justiça negou que tinha produzido o material.

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“A pergunta é simples: existe ou não? Se existe e está fora dos limites constitucionais, é lesão a preceito fundamental. Se não existe, bastaria dizer que não existe. Mas, como li aos senhores, na data de ontem o que recebi foi um esclarecimento muito sincero do ministro dizendo que não solicitou qualquer relatório e que só teve conhecimento da possível existência pela imprensa”, diz.

Augusto Aras votou pelo não conhecimento da ação da Rede e afirmou que relatórios desta natureza são normais na atividade de inteligência.

O ministro também frisou que a Comissão Mista de Controle da Atividade Inteligência fez uma análise “cuidadosa” do caso e que o presidente do colegiado, senador Nelsinho Trad (PSD-MS) disse não haver irregularidade na atuação do governo.

“Pela análise da comissão do Congresso, parece ter havido alarme falso, talvez um exagero –e não quero aqui trazer as fake news, que tanto vêm desinformando a sociedade e o povo brasileiro”.

Aras citou que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou a Rússia por perseguir opositores e que a Colômbia também foi punida em 2010 por ato semelhante.

Este, porém, não é o caso do relatório feito pelo Ministério da Justiça, segundo Aras. “Não é esse o contexto do caso”, disse. Aras também ressaltou que não se pode confundir a atividade de inteligência com o trabalho de investigação criminal.

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“A finalidade é antecipar algum evento que pode vir a botar em risco o Estado ou as pessoas”, disse.

Ele citou o temor de que o movimento mundial contra o racismo desencadeado após George Floyd ser assassinado por um policial no Estados Unidos chegasse ao Brasil.

“A reação social foi imediata. Algumas pessoas que se infiltraram em movimento social e se infiltram para protestar inicialmente premidos por uma vontade de participar da vida pública nacional, podem por motivos e circunstâncias diversos depois desnaturar sua participação política, fazendo disso uma oportunidade para que atos antidemocráticos venham a ocorrer, a exemplo de saques e atos de interpelação”, disse.

O procurador-geral disse que usou esse exemplo para “ilustrar o que é a atividade de inteligência, que serve para antecipar cenários de risco. Ele frisou, porém, que é contra perseguição política.

“O Ministério Público não admite que governos espionem opositores e isso precisa ficar claro’, ressaltou.

Aras disse que analisou o relatório e que trata-se apenas de uma “compilação de dados e informações extraídas de fontes abertas”.

“Portanto, é uma atividade que poderia ser realizada por qualquer cidadão com acesso à rede mundial de computadores”. Aras criticou ainda o fato de a ação ter sido “embasada exclusivamente em notícias veiculadas pela imprensa na internet”.

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