ALEX SABINO E MARCOS GUEDES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sue Walsh tinha 17 anos em 19 de março de 1980, quando se sentou em frente à televisão para assistir ao noticiário. Desde o início do ano havia rumores que ela e outros atletas americanos preferiam não acreditar.

A notícia que eles temiam acabou confirmada naquela noite, quando o então presidente dos EUA, Jimmy Carter, anunciou que o país boicotaria a Olimpíada de Moscou. Os Jogos começaram quatro meses depois e foram encerrados em 3 de agosto.

“Eu olhava para a tela, sem acreditar. Era jovem e não entendia. Ainda não entendo, na verdade”, afirma Walsh à reportagem 40 anos após um dos eventos mais marcantes da Guerra Fria, a disputa geopolítica entre capitalistas e comunistas.

Carter usou como justificativa para o boicote a invasão da União Soviética ao Afeganistão. Foi seguido por outras 65 nações. Os 80 países que participaram do evento, entre eles o Brasil, representaram o menor número em uma Olimpíada desde 1956.

Walsh tinha vaga garantida para competir na natação. Com o segundo melhor tempo nos 100 metros nado peito em 1979, ela era vista como candidata a uma medalha, mas no momento do anúncio do boicote não se preocupava com marcas. Nem sequer se concentrava na própria decepção. Pensava apenas em seus pais.

“Meu pai era professor, e éramos uma família de cinco irmãos. Lembrei os sacrifícios que ele havia feito para que eu pudesse nadar e competir. Lembrei que havia feito esforço enorme para comprar passagens para ir com a minha mãe a Moscou me ver representar os Estados Unidos. Tudo aquilo se perdeu”, conta.

Com 20 anos na época, Craig Beardsley havia acabado seu treino na Universidade da Flórida. Seu técnico pediu para que ninguém fosse embora. Reuniu os nadadores no vestiário para contar a novidade.

“Já tinha ouvido falar na possibilidade, mas não levei a sério. Por que fariam aquilo? Quando nos contaram que não iríamos a Moscou, eu fiquei… Eu fiquei embasbacado. Não conseguia acreditar. Por quê? Como a nossa presença ou ausência mudaria a situação do Afeganistão?”, questiona-se Beardsley até hoje.

Ele via a si mesmo como um atleta próximo de atingir o auge. Estava certo. Dez dias depois da final olímpica da prova para a qual estava classificado, os 200 metros borboleta, bateu o recorde mundial. Seu tempo de 1min58s21 foi cerca de um segundo e meio mais rápido que o registrado pelo soviético Sergey Fesenko para ganhar o ouro em Moscou.

Entre os atletas americanos ouvidos pela reportagem e que não viajaram para os Jogos, a resposta padrão foi, no fim de tudo, de aceitação. Beardsley diz ter batido o recorde porque se motivou para a temporada de provas universitárias que vinha pela frente.
Isso não serviu para Anita DeFrantz. Ela iniciou uma petição, após o anúncio do boicote, para que a decisão fosse revertida. Quando o comitê americano a ratificou, a atleta foi à Justiça, sem sucesso.

Medalhista de bronze no remo em Montreal-1976, a primeira Olimpíada em que as mulheres puderam competir nesse esporte, DeFrantz esperava melhorar o resultado quatro anos depois.

“Eu tinha 27, e aquele ano de 1980 mudou a minha vida. Deu-me percepção de outras coisas além do esporte e senti a necessidade de agir, tentar fazer algo. Não achava justo negar a centenas de atletas a chance de realizar um sonho. Eu resolvi ir atrás disso pelos meios que tinha à disposição. Foi-me tirado algo que era muito precioso”, relembra.

Ela afirma ter recebido ataques na imprensa e cartas com mensagens de ódio. “Em junho, recebemos a notícia de que os EUA estavam vendendo trigo para a União Soviética. Realizavam negócios entre eles, mas nós não podíamos ir aos Jogos”, conta.

Os americanos não foram os únicos atletas afetados, mas se tornaram as faces mais visíveis do boicote porque o governo Carter usou seu peso diplomático para fazer com que outras nações seguissem o mesmo caminho.

Não ir a Moscou se tornou um fardo para DeFrantz, que já havia lutado anos antes pelo direito das mulheres de participar do remo. Ela se tornou advogada e abandonou as competições, mas não o esporte. Em 1984, fazia parte da organização da Olimpíada de Los Angeles, que foi boicotada pela União Soviética e outros 16 países aliados.

A americana virou dirigente em 1986 e se tornou a primeira mulher negra integrante do COI. Hoje é vice-presidente da entidade. “De uma certa forma, o que aconteceu comigo em 1980 iniciou o caminho que me levou ao COI, e estou contente por isso”, pondera.

Ela decidiu não tentar classificação aos Jogos de 1984, mas muitos atletas americanos fizeram isso. Edwin Moses, por exemplo, ainda lamenta não ter conquistado três medalhas de ouro nos 400 metros com barreiras, já que venceu a prova em Montreal e Los Angeles.

Para outros, o boicote de 1980 foi a pá de cal no sonho da medalha. Sue Walsh treinou pelos quatro anos seguintes. Nas qualificatórias da natação, não conseguiu a vaga para a Olimpíada por um centésimo de segundo. “Aquilo foi mais difícil de engolir do que o boicote. Foi o fim do sonho.” A eliminação marcou o início do fim da carreira da nadadora que, à época, tinha 21 anos.

Já Beardsley ficou em terceiro na prova dos 200 metros borboleta e também acabou fora. Ele admite: “parte de mim não queria mais aquilo”.

O período atual cria uma relação entre as chances perdidas naquela época e aquelas que poderão ocorrer com o adiamento (a princípio) por um ano da Olimpíada de Tóquio, remarcada para 2021 por causa do coronavírus.

“Algumas coisas são similares. Há o lado emocional. O atleta dedica sua vida a isso e tem um planejamento que é preciso mudar. Mas há grandes diferenças. Ninguém está indo para os Jogos Olímpicos, e todos estão nisso juntos”, diz Beardsley.

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