NELSON DE SÁ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo do Reino Unido passou a enfrentar resistência das gigantes americanas de tecnologia às suas propostas para regular conteúdo na internet.

O Projeto de Lei de Segurança Online (Online Safety Bill), apresentado em maio do ano passado e cujo formato mais recente data de março, foi questionado pelo Google em comentário por escrito ao texto, que tramita no parlamento.

“A linguagem sobre ‘evitar que os indivíduos encontrem’ conteúdo ilegal e os desafios práticos para distinguir entre conteúdo ilegal e legal parecem incentivar o monitoramento automático generalizado -e a remoção excessiva- de conteúdo”, diz a empresa, que tem, entre outros, o serviço de busca e o YouTube.

Foto: PhotoMIX-Company/Pixabay

“Pela nossa experiência, algoritmos têm dificuldade para identificar conteúdo ilegal e nocivo que seja mais dependente de contexto. Como resultado, pela redação atual do projeto, quantidades significativas de conteúdo legítimo serão removidas.”

A Meta, que controla Facebook, Instagram e WhatsApp, entre outros, vai além e aponta o que vê como ameaça à privacidade, podendo levar à censura.

O projeto em sua forma atual exigiria, afirma a empresa, ações nos aplicativos de mensagem para evitar que os usuários tenham contato com conteúdo nocivo e até para forçar a identificação de usuários.

“A tentativa de aplicar essas obrigações aos serviços de mensagem corre o risco de mensagens privadas das pessoas serem constantemente vigiadas e censuradas”, aponta a plataforma.

Em nota, o governo respondeu que “as empresas de tecnologia fracassaram em combater abuso infantil”. E que o órgão responsável passaria a ter, “como último recurso, o poder de fazer com que usem tecnologia para identificar material de abuso sexual infantil, com salvaguardas estritas de privacidade”.

Também a associação britânica de jornais, embora elogiando a “intenção do governo de manter os sites jornalísticos fora do escopo do projeto”, cobrou que isso seja registrado “expressamente”, inclusive quanto a comentários em seus sites.

Acredita-se que o projeto, que já recebeu perto de uma centena de contribuições como essas, passará por mudanças e só deverá entrar em vigor no ano que vem ou em 2024.

Além das empresas, a discussão chegou à sociedade civil, com organizações como Open Rights Group apontando estímulo à “censura”. O governo conservador procura reagir com manifestações públicas, entre outros, de Chris Philp, que responde por tecnologia e economia digital.

“Ao contrário do que você pode ter ouvido, o projeto não coloca em risco a liberdade de expressão, não impedirá que os adultos expressem pontos de vista controversos ou impopulares em mídia social. Ele simplesmente requer que as maiores plataformas sejam transparentes”, escreveu ele.

“Vai listar comportamento tóxico que não seja ilegal (como abuso racista, homofóbico e sexista que fica aquém do limite criminal) e as plataformas precisarão garantir que sejam abordados em seus termos e condições, mas cabe a elas definir seus próprios termos e condições.”

Entre outras publicações, a revista londrina The Economist questionou, em editorial, a nova categoria de discurso “legal, mas nocivo”, que não teria precedente na legislação do país:
“O governo insiste que isso não impõe nada além de um dever de transparência às empresas, que serão forçadas a anunciar explicitamente se permitirão tal discurso. Mas seria ingênuo pensar que uma lista de tópicos que são desaprovados oficialmente não exercerá um efeito de arrepio”, referência à autocensura.

Formalmente, o texto atual do projeto impõe diversas “obrigações de cuidado” a redes sociais, ferramentas de pesquisa e outras que abriguem conteúdo gerado pelos usuários, inclusive sites e aplicativos com pornografia.

Entre as obrigações estão tomar medidas para mitigar os riscos de danos decorrentes de conteúdo ilegal e adotar sistemas e processos para permitir a denúncia de conteúdos especificados.

O órgão regulador de radiodifusão no Reino Unido, Ofcom, ficaria responsável por supervisão e fiscalização, inclusive com novos poderes de investigação e de bloqueio de acesso. Em caso de desrespeito às obrigações, poderia impor multa de até 10% da receita global da empresa.

Embora não seja a primeira voltada a conteúdo, a legislação britânica, se passar, poderá ser influente, com efeito sobre os Estados Unidos. Centros de estudo como Brookings, de Washington, já avaliam o que seus legisladores “podem aprender” com o Projeto de Segurança Online.

Duas lições, em especial: empoderar uma agência para implementar o sistema de regulação específico para mídia social e busca, e se concentrar nos processos que as próprias empresas de tecnologia usam para regular seu conteúdo.

Enquanto o projeto de lei não avança, o governo britânico ampliou no último mês o poder regulatório de outro órgão, sua Unidade de Mercados Digitais (Digital Markets Unit, DMU), visando combater eventuais “práticas predatórias” dos mesmos gigantes de tecnologia.

Práticas às quais recorram não só para conter concorrentes, por exemplo, nas mudanças de sistema operacional pelos usuários, mas também para a manipulação de dados dos usuários, por exemplo, em anúncios direcionados.

Um de seus primeiros alvos foi o Google, por suspeita de comportamento anticoncorrencial sobre aplicativos no Android. Questionado sobre o DMU, um porta-voz do Google respondeu:

“As ferramentas online se provaram vitais durante o lockdown e podem contribuir para uma recuperação sustentável, inclusiva e digital. Apoiamos uma abordagem que beneficie as pessoas, as empresas e a sociedade e esperamos trabalhar de forma construtiva com a Digital Markets Unit para que todos possam aproveitar a internet em todo seu potencial.”

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