CLARA BALBI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Descartes de madeira estão na base do trabalho do artista japonês Tadashi Kawamata desde que ele era um estudante de pintura frustrado, na Tóquio dos anos 1970. Às vezes, os fragmentos, colhidos em pilhas de lixo da construção civil, se unem em estruturas frágeis: estradas, pontes, casas. Em outras, viram ondas de detritos que avançam sobre o chão e as paredes, como um monstro que se alimenta do que destrói pelo caminho.

Foto: Reprodução

Já houve quem tenha enxergado nos leviatãs do japonês uma metáfora sobre a sociedade de consumo, ou ainda um comentário sobre uma iminente catástrofe climática.
Mas Kawamata, que abre uma mostra na Japan House composta por 90 mil pares de hashis nesta terça (4), conta que a obsessão com o material tem uma origem mais pragmática. “Nos anos 1980, ninguém estava pensando em ecologia. Eu não tinha dinheiro, e era uma solução muito simples”, diz o artista de 66 anos.
Naquele início de carreira, ele voltou de uma participação na Bienal de Veneza em crise com a cena artística. “Então decidi que não precisava mais de museus, galerias, exposições. Faria tudo sozinho.”
Kawamata transformou a própria casa em ateliê e passou a exibir suas instalações em apartamentos alugados. Foi na mesma época que percebeu que os restos daquela Tóquio no auge da urbanização eram uma fonte quase inesgotável de matéria-prima.
Se no início os curiosos não chegavam a 30 pessoas, as mostras em clima de guerrilha começaram a chamar a atenção do circuito. Kawamata recebeu convites para eventos como a Documenta, em Kassel, o PS1, em Nova York, e a Bienal de São Paulo, em 1987.
O artista volta à capital paulista mais de três décadas depois daquela última exposição. Para a sua empreitada na Japan House, requisitou ao centro um time de voluntários para ajudá-lo a construir os painéis de hashis da instalação.
Quando esta repórter visitou o local, os voluntários, em sua maioria universitários, uniam com cola quente dezenas de palitinhos, suas mesas de trabalho cobertas dos montinhos transparentes acumulados nas últimas semanas.
No espaço expositivo, uma espécie de labirinto de teias na cor de madeira avançava em direção à escada. Kawamata caminhava enquanto listava os passos que faltavam para a finalização do trabalho. “É como um ninho de insetos, ou uma colmeia”, comparou.

Foto: Reprodução

Trabalhar com voluntários está na prática do japonês desde os tempos em que recolhia pedaços descartados de madeira. Mas foi na Documenta de 1987, conta, que ele entendeu a importância dos colaboradores locais.
Então, ele pretendia construir sua obra numa igreja abandonada, cujo passado, contudo, desconhecia. Aprendeu com os assistentes, jovens da Europa Oriental que estavam na Alemanha sem documentação. “Foi quando comecei a pensar sobre a relação entre a história dos lugares e as comunidades locais”, diz.
Outro ingrediente da equação são os materiais das instalações, que hoje englobam não só madeiras, como todo tipo de detrito que encontra.
Em uma delas, usou itens contaminados da usina de Fukushima, destruída depois do terremoto do Japão de 2011. Em outra, erguida numa capela de um hospital parisiense, empilhou cerca de mil bancos de igreja no formato de uma torre circular. Ao remontar a instalação em Abu Dhabi, não pôde usar as mesmas cadeiras por motivos religiosos.
Uma fotografia daquela Torre de Babel original pode ser vista nas paredes da Japan House, uma das 50 imagens que recapitulam a trajetória de Kawamata –a obra mais antiga registrada ali data de 1983.
Vistos cronologicamente, os trabalhos do japonês parecem se distanciar cada vez mais dos caóticos amontoados de madeira do início da carreira, em direção a formas mais concretas, identificáveis.
É o caso de uma série de casinhas irregulares de mais ou menos um metro de comprimento que Kawamata instala no alto de postes e árvores. Questionado se são destinadas a animais, o artista responde que são paradas para quando “as almas subirem aos céus”.
O japonês diz não achar que seu trabalho tenha mudado nos últimos 40 anos, no entanto. “É sempre o mesmo projeto, desde o início. Os lugares é que são diferentes.”

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