GABRIEL ALVES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “É possível […] transformar a teoria atômica, a teoria dos germes e a teoria da célula em uma filosofia unificada, cuja essência é estrutura ou arquitetura. As propriedades químicas, biológicas e físicas da matéria, sejam átomos, moléculas, germes ou células, dependem diretamente da estrutura da matéria, e os resultados do trabalho com vírus permitiram concluir que essa estrutura é fundamentalmente a mesma, independentemente de onde ocorra.”

O ano era 1939 e essa é a conclusão de um longo artigo assinado por Wendell Stanley (1904-1971), um eminente bioquímico e virologista da Universidade de Princeton, nos EUA, na revista Physiological Reviews. O texto faz uma ode à estrutura, que seria capaz de explicar as diversas propriedades dos vírus. O curioso é que Stanley, até então, nunca tinha visto uma boa imagem desses micro-organismos.

A dificuldade para se enxergar os vírus se justifica -eles são, em diâmetro, até mil vezes menor do que algumas células. “Se pensarmos na célula do pulmão como uma espécie de caminhão-baú achatado, o novo coronavírus seria do tamanho de um limão ou de uma laranja”, compara o virologista Eduardo Flores, professor da Universidade Federal de Santa Maria.

Stanley foi um dos vencedores do Prêmio Nobel de Química em 1946 “pela preparação de enzimas e de proteínas virais em uma forma pura”. Depois de obter grande quantidade do vírus do mosaico do tabaco, o primeiro a ser identificado, o cientista mostrou que os micro-organismos eram compostos por proteínas e material genético.

Mais de 80 anos depois do artigo de Stanley, o conhecimento acumulado sobre os vírus -inclusive sobre os coronavírus, como o Sars-CoV-2, responsável pela pandemia de Covid-19- permite que cientistas busquem fármacos que podem ajudar o organismo a se livrar dos patógenos, determinando exatamente quais são os alvos moleculares a serem atacados.

No caso do coronavírus, que possui um envelope -camada de lipídios e proteínas que envolve seu material genético-, sabão ou álcool facilmente destroem essa estrutura. Uma vez no organismo, porém, nada é tão simples assim.

A proteína S (de spike, ou espinho, em inglês) liga a partícula viral à ECA2 (ACE2, em inglês), proteína presente nas superfície de células do trato respiratório. Se essa ligação for impedida, seja com alguma molécula que bloqueie a ECA2 ou que oblitere a proteína S, a infecção se torna menos provável.

Uma das etapas da investigação da estrutura viral, explica Daniela Trivella, chefe de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (Cnpem), é obter as chamadas VLPs (virus-like particle), essencialmente uma partícula viral que não é capaz de se replicar.

Obtidas essas partículas, será possível estudar a fundo a estrutura viral e suas minúcias moleculares, identificando alvos para a ação de drogas, com o auxílio de microscopia eletrônica de congelamento. O Sirius, novo acelerador de elétrons brasileiro localizado no Cnpem, deve ser empregado na investigação.

Há também tentativas para impedir que o vírus despeje seu material genético dentro da célula. Ele depende completamente da maquinaria celular para se replicar e, por isso, é chamado de parasita intracelular obrigatório.

Se esse “delivery” acontecer, porém, ainda há meios para impedir que as proteínas não estruturais do vírus (que não estão presentes quando ele está na forma de partícula, ou vírion) cheguem à sua forma madura.

“Essas outras proteínas são responsáveis pela maturação das proteínas virais, replicação do vírus no interior das células do hospedeiro, desregulação de alguns mecanismos de defesa da célula do hospedeiro, entre outras funções”, afirma Trivella.

Se tudo der errado, ainda há possibilidade de bloquear uma enzima viral famosa, a RNA polimerase dependente de RNA, responsável pela síntese de novas cópias do material genético do vírus. Como se trata de uma enzima crucial para a proliferação do patógeno e ausente em células humanas (que produzem RNA com base em DNA), esse é um alvo prioritário no combate à Covid-19.

Por fim, ainda há a resposta inflamatória do organismo, que, quando fora de controle, pode por si só impedir o bom funcionamento do pulmão e de outros órgãos, e até matar. Alguns medicamentos, apesar de não exterminarem os vírus, atenuam o processo inflamatório, melhorando a chance de sobrevivência.

Talvez a melhor estratégia para combater o vírus seja uma combinação entre duas ou mais drogas, que agem em pontos diferentes do ciclo de infecção viral, explica Eduardo Flores, da UFSM.

“Estão sendo testadas drogas que já existem e que têm um bom perfil de segurança. Muitas delas não se mostraram efetivas para outros vírus, mas quem sabe funcionem contra o Sars-CoV-2. A resposta contra a Covid-19 pode literalmente estar nas gavetas ou freezers de laboratórios”, diz o virologista.

Trivella, do Cnpem, afirma que a estratégia de reposicionamento de fármacos empregada na força-tarefa em que atua está gerando bons resultados. “As dosagens e efeitos secundários de fármacos que já foram aprovados [para outras indicações] são bastante conhecidos em seres humanos. Um primeiro medicamento sugerido por nós é capaz de reduzir a carga viral em laboratório. Este medicamento mostra efeitos colaterais bastante reduzidos, mesmo em altas dosagens.”

O fármaco, cujo nome não foi revelado para evitar corrida às farmácias, agora será testado em pacientes com Covid-19. O estudo será bancado pelo MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).

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