LUCAS REZENDE
VITÓRIA,ES (FOLHAPRESS) – A gestão do governador Renato Casagrande (PSB) voltou a liberar nesta semana visitas presenciais em penitenciárias do Espírito Santo, antes vetada por causa da pandemia do novo coronavírus. A decisão foi tomada depois de uma sequência de ataques criminosos no estado -em dez dias, foram quatro ônibus incendiados.
Em cartas deixadas nos ataques, criminosos diziam que a comida servida em presídios é estragada e que há maus-tratos nas prisões -num trecho, chamam as unidades penitenciárias de “campos de concentração modernos”. De maneira mais urgente, também pediam a volta das visitas, que estavam suspensas desde o dia 1º de abril.
O primeiro ataque aconteceu em Viana, cidade sede de um dos maiores complexos penitenciários do Espírito Santo, a 20 km da capital. Dois homens, numa moto, realizaram disparos e, em seguida, queimaram um ônibus. As chamas atingiram uma residência e um poste de energia elétrica. Ninguém ficou ferido, assim como nos episódios seguintes.
Um cartaz foi deixado com o motorista do coletivo com o seguinte recado: “Represália aos maus-tratos e a volta da visita nos presídios”.
No mesmo dia, houve outro ataque, desta vez em Cariacica, cidade da região metropolitana de Vitória que conta com atuação da Força Nacional de Segurança. Dois homens, também de moto, queimaram um veículo.
O terceiro aconteceu no mesmo município. No local do incêndio, os criminosos deixaram uma carta escrita à mão, cujo título era “Chega de humilhações”. “Muitas torturas, cadê a Justiça? Comida podre, superfaturada, superlotação”, escreveram num trecho.
No texto, diziam ainda que se as visitas não voltassem, “vai ser [assim] todos os dias: queima de ônibus e muito mais”. A assinatura ficou por conta do “sistema carcerário capixaba”.
O quarto ataque aconteceu na Serra, cidade vizinha a Vitória, onde nasceu a greve da Polícia Militar de 2017. Desta vez, foram cinco homens fortemente armados que interceptaram um ônibus e o queimaram.
Houve, ainda, uma tentativa em Cariacica, mas os criminosos não conseguiram queimar o veículo.
Nesta semana, o governo decidiu liberar as visitas de um adulto por detento, mesmo com a pandemia em curso. Até agora, 333 presos foram diagnosticados com Covid-19. Dois morreram e 107 ainda estão doentes. Além disso, há três servidores afastados.
À Folha o secretário estadual de Segurança Pública e Defesa Social, coronel Alexandre Ramalho, disse que “há forte indício, sim” de que as ordens para os ataques tenham partido dos presídios.
“Mas como estão saindo? Quem está levando essa informação, se não estava tendo visita? Esse é o ponto chave da investigação”, disse.
Uma força-tarefa composta por sete delegados foi montada para tentar desvendar os ataques orquestrados. Nove detentos já foram ouvidos e um homem preso, portando uma pistola 9 mm, acusado de ter participado do primeiro ataque.
Questionado se a gestão Casagrande cedeu às pressões, Ramalho refutou. “De forma alguma. Já havia um planejamento para a volta das visitas.” O governo, no entanto, não havia sinalizado publicamente quando as visitas recomeçariam, nem sob quais critérios.
“Entendemos que [os ataques] são uma forma de oposição ao sufocamento que estamos fazendo com operações. Somente em julho, apreendemos 2.277 armas de fogo. Já são 1.007 homicidas presos este ano. Numa única operação mês passado foram 455 munições apreendidas e 35 prisões”, disse Ramalho.
Por meio de nota, a Secretaria de Justiça informou que não comunga com práticas de tortura de nenhuma natureza e que tem como princípio o respeito aos direitos humanos. “A Sejus reforça que atua dentro da lei e em consonância com os direitos da pessoa humana”, disse.
Sobre a alimentação, a secretaria informou que oferece ao preso quatro refeições diárias, com rígido controle de qualidade e fiscalização. “O cardápio é acompanhado por nutricionistas.”
A pasta justificou a volta das visitas “em decorrência da estabilização de casos da Covid -19 no Espírito Santo”.
“Medidas sanitárias para prevenção e controle da doença foram tomadas em todas as unidades prisionais. Entre elas, reforço na limpeza dos ambientes, uso de máscara e álcool em gel. As medidas permanecem com a retomada das visitas, incluindo aferição de temperatura e questionário de saúde para ter a entrada permitida. Caso o visitante apresente sintomas, a visita é reagendada”, diz a secretaria.