A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou nesta terça-feira (3) novas regras para registro de produtos à base de Cannabis para fins medicinais no país.
A medida permite que empresas obtenham aval para fabricação desse produtos em território nacional e a venda desses produtos em farmácias, o que pode aumentar o uso medicinal da Cannabis no Brasil.

Foto: Reprodução.

Diretores, porém, foram contra a proposta de aval ao plantio de Cannabis para pesquisa e produção de medicamentos.
Apresentada em junho, a proposta previa que o aval ao plantio fosse dado para empresas interessadas na área, mediante cumprimento de regras de segurança.
O objetivo era facilitar a pesquisa e produção de medicamentos no país, de forma a facilitar o acesso a esses produtos por pacientes.
A medida, porém, vinha enfrentando críticas do governo. O debate sobre o tema havia sido iniciado em outubro, mas acabou adiado após pedido de vista do diretor Antônio Barra Torres.
Indicado ao cargo pela gestão de Jair Bolsonaro, ele alegou à época fragilidades à segurança.
Em seu voto nesta terça, que durou quase quatro horas, ele manteve as críticas. Para ele, há risco de que empresas sejam empregadas por organizações criminosas.
Também fez críticas à tramitação da proposta, iniciada em 2014. “Ficou claro que órgãos de segurança pública não foram adequadamente envolvidos na discussão.”
Disse ainda que os debates sobre um possível aval ao cultivo de Cannabis feitos no Congresso ainda não foram concluídos e defendeu que não cabe à agência discutir sozinha sobre o caso.
Ao citar o interesse de empresas, alegou que “não consta como atribuição da agência a criação de novos setores produtivos no país”.
A posição foi acompanhada pelos diretores Alessandra Soares e Fernando Mendes. Já o diretor-presidente da agência, William Dib, era favorável à medida.

AVAL A VENDA EM FARMÁCIAS

A possibilidade de dar aval ao plantio era uma entre duas propostas em discussão na agência.
Mais cedo, diretores aprovaram novas regras para registro de produtos à base de Cannabis para uso medicinal no país.
Na prática, a medida cria uma nova categoria de item sujeitos à avaliação da agência: os produtos à base de Cannabis. Isso já indica um passo a mais da agência em relação a esse mercado, e com ele as empresas não precisarão submeter os produtos às mesmas regras dos outros medicamentos.
A iniciativa, porém, é transitória e deverá ser revista após três anos após a publicação da norma no Diário Oficial da União. A justificativa é que o estágio técnico-científico desses produtos ainda é inicial e precisa de maior comprovação de segurança e qualidade por meio de estudos feitos pelas empresas.
Para a Anvisa, a regulação aprovada nesta terça representa uma alternativa a pacientes que dependem desses produtos.
A estimativa de recursos a serem movimentados vai de R$ 1,1 bilhão a R$ 4,7 bilhões por ano, segundo estudo das empresas de dados do setor New Frontier e Green Hub. A projeção mais entusiasta, que representa um valor equivalente a 6,5% do total do faturamento da indústria farmacêutica no país em 2017 (R$ 76 bilhões), está amparada numa estimativa de que o país tenha ao menos 3,9 milhões de pacientes que poderiam ser tratados com Cannabis.
A norma cita requisitos necessários para concessão de autorização sanitária para fabricação e importação desses produtos. Também traz regras para venda, prescrição, monitoramento e fiscalização.
As medidas foram sugeridas pelo diretor Fernando Mendes, que havia pedido vista da proposta apresentada em outubro pelo diretor-presidente da agência, William Dib. Em seu voto, Mendes propôs a criação de um modelo alternativo de autorização para o registro desses produtos.
Para ele, a proposta anteriormente em discussão na agência poderia levar a um abrandamento das regras atuais de registro de medicamentos no país.
“Não tenho conhecimento de que algum país tenha alterado suas regras de registro [de medicamentos] para acomodar produtos à base de Cannabis”, disse. Segundo Mendes, algumas agências têm adotado processo em outras vias que não o de medicamentos, mas ainda com análise criteriosa.
Em seguida, ele defendeu a possibilidade também de um modelo alternativo, ainda simplificado, mas que enquadre esses produtos em outra categoria, por tempo limitado.
Neste caso, a empresa deve ter informações técnicas sobre o produto, com informações sobre controle de qualidade e avaliação periódica de uso por pacientes. Também deve haver medidas de rastreabilidade.
Após serem apresentadas por Mendes, as propostas foram aprovadas pelos demais diretores. O texto mantém o veto à possibilidade de liberação de cosméticos, cigarros e outros produtos à base da planta.
Pelo modelo aprovado, empresas interessadas em obter a autorização sanitária devem apresentar autorizações de funcionamento e certificados de boas práticas. Também devem comprovar condições para controle de qualidade dos produtos.
A resolução traz ainda regras para embalagem desses produtos, que devem conter uma faixa de cor preta e não podem conter os termos “medicamento”, “remédio”, “fitoterápico”, “suplemento” ou outros.
A venda será restrita à prescrição médica e retenção de receita e só poderá ser feita em farmácias e drogarias. Será vedada a venda em farmácias de manipulação.
Produtos à base de Cannabis com teor superior à 0,2% de THC, um dos derivados da maconha, também devem conter o aviso de que o uso dos produtos “pode causar dependência física e psíquica”.
O texto traz ainda normas para prescrição dos produtos, que devem ganhar diferentes tipos de receita a depender da concentração de THC. Se menor que 0,2%, será de receita tipo B, com necessidade de renovação de receita em 60 dias.
Já aqueles com concentração superior a 0,2% de THC só podem ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas. Neste caso, a receita é do tipo A, mais restrita, semelhante ao padrão aplicado para morfina, por exemplo.
Segundo a Anvisa, a indicação e forma de uso dos produtos caberá ao médico assistente. Pacientes devem assinar termo de consentimento livre e esclarecido.
A ideia é que a agência também faça um programa especial de monitoramento desses produtos.
A medida deve entrar em vigor em 90 dias após a publicação no Diário Oficial da União.

MACONHA MEDICINAL

Como era
Lei 11.343, de 2006, proíbe plantio, cultura, colheita e exploração de Cannabis, “ressalvada hipótese de autorização legal” para fins medicinais e científicos, em local e prazo predeterminados e mediante fiscalização

Atualmente, pacientes que fazem tratamento com óleos e extratos à base de canabidiol, substância encontrada na Cannabis e conhecida pelos seus efeitos terapêuticos, precisam de aval da Anvisa para importar os produtos, o que ocorre a custo alto.
Sem a regulamentação, universidades que desejam ter acesso à planta, por exemplo, precisam obter por importação ou doação previamente autorizadas. Empresas que têm autorização para pesquisas também reclamam de entraves e custos altos
Até agora, há apenas um medicamento à base de Cannabis com autorização para venda no Brasil. É o Mevatyl, indicado para tratar espasmos em pacientes com esclerose múltipla, e cujo preço fica acima de R$ 2.000

Indicação
​Principais doenças apontadas nos pedidos de importação de canabidiol: epilepsia, autismo, dor crônica, doença de Parkinson e neoplasia maligna
O que estava em discussão
Anvisa discutiu duas propostas de resolução: uma que trata de registro de remédios à base de Cannabis e seu monitoramento e outra com requisitos técnicos e regras para cultivo de Cannabis para pesquisa e produção de medicamentos
O cultivo ainda será analisado.

LINHA DO TEMPO

Novembro de 2013. Após ver informações na internet sobre testes com canabidiol, um dos derivados da maconha, a família da brasileira Anny Fischer, que sofre de uma síndrome rara, decide importar dos Estados Unidos um óleo rico na substância para a criança

Março de 2014. Uma das tentativas de importação falha e o canabidiol é barrado na alfândega. A família conta sua história a um jornalista, que lança o documentário “Ilegal” sobre o caso

Abril de 2014. A família de Anny consegue laudo médico da USP de Ribeirão Preto e entra na Justiça para conseguir importar o produto. O pedido é aprovado. Após o caso, Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) passa receber mais pedidos de autorização para importação de produtos à base de canabidiol

Outubro de 2014. Conselho Regional de Medicina de São Paulo autoriza a prescrição de canabidiol no Estado

Dezembro de 2014. Conselho Federal de Medicina autoriza médicos a prescreverem o canabidiol, mas somente para crianças com epilepsia e que não tenham tido sucesso em outros tratamentos

Janeiro de 2015. Anvisa libera uso medicinal de produtos à base de canabidiol, um dos derivados da maconha, retirando-o de uma lista de substâncias proibidas e colocando-o em uma lista de substâncias controladas

Março de 2015. Cresce volume de decisões judiciais que obrigam a União a fornecer o canabidiol a pacientes com diferentes tipos de crises convulsivas, não apenas as epiléticas

Abril de 2015. Anvisa simplifica regras para importação de produtos à base de canabidiol e cria lista de produtos que podem ter facilitado processo de autorização para importar

Agosto e setembro de 2015. STF começa a discutir se é crime portar drogas para uso próprio. Julgamento, no entanto, foi suspenso após pedido de vistas do ministro Teori Zavascki

Março de 2016. Após determinação judicial, Anvisa publica resolução que autoriza prescrição e importação de medicamentos com THC, um dos princípios ativos da maconha. Antes, essa substância fazia parte da lista daquelas que não poderiam ser objeto de prescrição médica e manipulação de medicamentos no país

Novembro de 2016. Anvisa aprova critérios para uso de medicamento à base de maconha e abre espaço para que remédios à base da planta possam obter registro para venda no país

Novembro e dezembro de 2016. Três famílias, duas do RJ e uma de SP, conseguem habeas corpus que as permitem plantar e extrair óleo de maconha para uso medicinal e próprio; número irá crescer nos anos seguintes

Janeiro de 2017. 1º medicamento à base de maconha, Mevatyl, composto por THC e canabidiol e indicado para espasticidade, ganha registro na Anvisa para chegar ao mercado brasileiro

2017. Anvisa inicia missões internacionais para países que regulamentam cultivo de Cannabis para pesquisa e produção de medicamentos e começa a planejar medida semelhante no Brasil

2018. Cresce número de pacientes com autorização para importar medicamentos à base de canabidiol

Junho de 2019. Anvisa avalia colocar em consulta pública duas propostas de resolução: uma com regras para cultivo de Cannabis para pesquisa e produção de medicamentos e outra com regras de registro e pós-registro desses produtos

Fonte: Anvisa

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