ALEX SABINO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Luís Esídio, 26, o Ferrugem, ouviu sugestão de que a alternativa para ficar em um clube de uma liga regional da Espanha era casar para obter o visto de trabalho. O presidente do Real Noroeste, no Espírito Santo, descartou suas reclamações de incômodo muscular com o argumento que dor mesmo era “levar uma patada de boi no joelho”.
Basta pedir para o lateral-esquerdo resumir sua trajetória no futebol para ele empilhar histórias de tentativas e quedas quando tudo parecia bem.
“Eu fiquei pensando se não era melhor parar, porque sempre que estava para engrenar, acontecia alguma coisa. Talvez não era para ser”, afirma.

Foto: Reprodução.

Ele sai mancando do gramado alto do estádio Anacleto Campanella, em São Caetano do Sul. A falta de corte faz com que a bola corra devagar e exija mais de atletas que estão ali colocando seu futuro na profissão em campo.
“Para eles, é só um amistoso. Nós jogamos a vida”, compara o goleiro Fabrício, 24.
“Eles” são o Água Santa, clube que em 2020 vai disputar a primeira divisão do Campeonato Paulista. “Nós” são o Expressão, time composto por jogadores desempregados, em busca de recolocação e que recebem chance de treinar três vezes por semana para se manterem em forma. A equipe é uma iniciativa do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo.
A ideia do amistoso em São Caetano é colocá-los na vitrine. O Água Santa aceitou o convite da entidade, que também chamou Atibaia, Juventus, São Bernardo, Audax, Nacional e Hercílio Luz para participar de jogos e permitir que os atletas sejam observados por agentes, olheiros e técnicos de outras agremiações.
Rinaldo Martorelli, presidente do sindicato, afirma que as partidas foram ou ainda serão vistas por pessoas ligadas a equipes da Espanha, México, Estados Unidos e China. Ele caminha no gramado com pessoas que falam espanhol.
O técnico Estevam Soares chega para observar jogadores. Um dos elogiados é Fabrício, o melhor em campo.
“Cansa [o processo de procurar clube]. Estava desanimado neste ano porque tive alguns problemas. Mas minha família me incentivou a continuar. Acredito até o último ponto que der”, afirma o meia-atacante Luca, 25, revelado pelo Corinthians e com passagem pelas categorias de base do Palmeiras. Ele ficou 15 dias no Atlético de Madri e diz que não permaneceu na Espanha porque o empresário que o levou não chegou a acerto financeiro com o clube.
Todos os que estão em campo pelo Expressão têm histórias parecidas de dispensas e buscas por novas oportunidades. Serve uma ligação de amigo que está em clube da terceira divisão do Paraná ou da “bezinha”, como chamam a quarta e última divisão do Campeonato Paulista.
“A gente recebe pedidos de indicação de jogadores porque confiam na nossa avaliação. Não mentimos. De acordo com a necessidade, com a característica do atleta, indicamos. Nós sabemos quem é comprometido nos treinos, quem quer de verdade ter uma carreira no futebol. Se não temos ninguém para indicar, não indicamos”, diz o preparador de goleiros Júlio César.
Ele cita como exemplo o goleiro Jairo, revelado pela base do São Paulo, com convocações para a seleção brasileira sub-15 e que saiu do Expressão para assinar contrato com o Imperatriz do Maranhão.
Dentro dos padrões dos jogadores que estão no elenco do sindicato, que pela idade já deveriam ter atingido o auge, Jairo é um caso de sucesso.
Há apenas um critério para ter chance de treinar no sindicato e fazer parte do Expressão: comprovar ter pelo menos seis meses de experiência como jogador de futebol profissional. Antes era menos, mas começaram a aparecer casos de jovens que pagavam para ter um contrato de três meses registrado na federação estadual.
“O critério é a necessidade. Temos uma conversa com o jogador para ver se está focado, vemos quem está há muito tempo no Expressão e se não chegou a hora de dar a vez para outro”, tenta explicar Martorelli, deixando subentendido se tratar de algo subjetivo.
A experiência de montar jogos para que eles possam ser observados é um embrião para o sindicato. O projeto é criar agência própria de recolocação dos atletas no mercado.
“Quem apela para o sindicato é porque não tem empresário, o que complica mais ainda. Só estou nessa tentativa porque meus pais me dão apoio. Senão já teria desistido”, diz o goleiro Fabricio.
Com o passar do tempo, a diferença física fica cada vez mais nítida em campo. Os jogadores do Água Santa tem mais ritmo e força muscular e criam mais chances. Funcionários do sindicato apontam, para pessoas ligadas a clubes e que estão na arquibancada, os históricos dos atletas em campo. Tentam vender o peixe: “Aquele é o Marcão. Passou pela Polônia. Gostaram dele lá e talvez volte”, “Esse é o Paulão. Ele tem bom toque de bola, não é?”.
Pela chance de ser descoberto, Luís Esídio até deixou em espera convite do Batatais. O novo técnico do clube é Edson Abobrão, ex-lateral-direito do Corinthians e integrante da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1986. Ele é amigo do pai de Ferrugem, Nílson, ex-atacante que passou por 27 clubes, atuou por Corinthians, Palmeiras, Grêmio, Internacional e Portuguesa.
“Eu sinto que aqui pode aparecer uma coisa muito boa”, disse Esídio ao sair de campo devagar. Não mancava por lesão, era cãibra de tanto correr.

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