PATRÍCIA CAMPOS MELLO E RICARDO DELLA COLETTA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Jair Bolsonaro abraçou posições dos Estados Unidos e abriu uma disputa com os demais parceiros nos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Nas negociações para formular a declaração oficial da cúpula, que acontece nesta quarta (13) e quinta-feira (14), o Itamaraty atua para convencer os membros da aliança a retirar do documento trechos que contrariam interesses norte-americanos no Oriente Médio.
Os principais pontos de atrito causados pelo alinhamento automático do Brasil aos EUA são menções a palestinos, unilateralismo e Irã.
Além disso, o Brasil quer excluir críticas dos Brics à reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC) defendida pelos EUA, que enfraqueceria o tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento.
Sob ordens do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, diplomatas brasileiros trabalham para remover da declaração oficial uma defesa da UNWRA, a agência da ONU para refugiados palestinos.
No documento da cúpula dos Brics do ano passado, em Johannesburgo, os cinco países do bloco reiteraram seu apoio à UNWRA e ressaltaram a necessidade de garantir recursos para a agência, destacando seu “papel vital no fornecimento de saúde, educação e outros serviços básicos para quase 5,3 milhões de refugiados palestinos”.
“[Nós] sublinhamos ainda a sua relevância para trazer estabilidade para a região e a necessidade de garantir um financiamento mais adequado, suficiente, previsível e sustentável para a agência”, concluíram.
Agora, o Brasil se alinhou aos EUA e se opõe a essa redação, numa ação que contraria principalmente Rússia e China.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cortou US$ 294 milhões (R$ 1,2 bilhão) em contribuição para a UNRWA, atingindo em cheio hospitais, escolas e outros serviços essenciais a refugiados palestinos.
Trump indicou que estava usando o fim da ajuda financeira para pressionar as autoridades da Palestina a participarem das negociações com israelenses patrocinadas pelos EUA.
Desde que Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, em dezembro de 2017, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, cortou todos os contatos diplomáticos com Washington.
A tentativa de veto do Brasil à UNWRA também atende aos anseios de outro aliado estratégico. Citando denúncias de malversação de fundos, o governo de Israel já defendeu publicamente que a comunidade internacional corte recursos da agência.
Interlocutores que acompanham as negociações afirmam que diversos itens envolvendo o conflito palestino-israelense têm gerado tensão entre o Brasil e os demais sócios dos Brics.
Outro ponto de fricção tem relação com o Irã. Segundo pessoas que acompanham o tema, o Brasil é contra a inclusão de uma frase que defende que todos os membros das Nações Unidas “estão obrigados, de acordo com o artigo 25 da Carta da ONU, a aceitar e implementar decisões do Conselho de Segurança da ONU”.
A redação -dizem diplomatas- pode ser interpretada como uma crítica aos EUA, uma vez que o governo Trump decidiu se retirar do acordo nuclear com o Irã no ano passado.
Quando o acordo foi fechado, em 2015, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução endossando o tratado e retirou as sanções multilaterais sobre o programa nuclear iraniano.
Segundo interlocutores, o Brasil resiste a aceitar qualquer tipo de crítica ao unilateralismo, algo que tradicionalmente faz parte de documentos do tipo e esteve presente no texto da última cúpula.
Washington, assim como União Europeia e Canadá, impõe sanções econômicas unilaterais à Venezuela, medidas que não foram aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.
Além disso, os EUA mantêm um embargo comercial contra Cuba desde o início da revolução comunista na ilha, numa medida considerada contrária à legislação internacional.
Na semana passada, pela primeira vez em 27 anos, o Brasil cedeu às pressões dos EUA e votou contra a resolução anual da ONU que condena o embargo econômico americano a Cuba. Apenas Israel e Estados Unidos votaram da mesma maneira que o Brasil.
Há ainda outros temas que colocam o Brasil e os demais membros dos Brics em posições divergentes.
O governo brasileiro abriu mão do tratamento especial e diferenciado na OMC (Organização Mundial do Comércio) a pedido dos Estados Unidos, que querem modificar o mecanismo para não oferecer vantagem injusta à China e à Índia em negociações comerciais.
Em troca, Trump anunciou apoio às ambições brasileiras de iniciar o processo de entrada na OCDE, o clube dos ricos -algo que ainda não se concretizou.
Índia e China queriam incluir na declaração dos Brics uma crítica às mudanças no mecanismo defendidas pelos EUA, mas o Brasil resiste a incluir a posição.
Outro ponto em que não havia consenso, mas, desta vez, não por causa do posicionamento brasileiro, é a ampliação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o Banco dos Brics.
Os líderes do bloco queriam anunciar oficialmente durante a cúpula o início da ampliação do banco, que passaria gradualmente dos atuais cinco sócios para 20, sendo três de cada região dos Brics.
Mas a Rússia quer que haja uma análise política dos possíveis sócios, feita pelos presidentes dos Brics, e não tem pressa para a expansão.
Outros pontos de divergência -Venezuela e a recente crise na Bolívia- muito provavelmente não farão parte da declaração, também por falta de consenso.
O Brasil está isolado ao reconhecer Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, enquanto todos os outros países reconhecem como legítimo o regime do ditador Nicolás Maduro.
Em relação à Bolívia, o Brasil não considera que a renúncia de Evo Morales tenha sido provocada por um golpe de Estado, ao contrário do governo russo. A China também é aliada próxima do governo Evo.
De qualquer maneira, dizem interlocutores, temas como esse não entrariam normalmente na declaração dos Brics.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here